19 dezembro 2025

A América Latina rumo à direita

    Essa guinada à direita não parece ser apenas mais uma oscilação pendular cíclica ou passageira na política da região. Uma análise cuidadosa das pesquisas e de outras tendências subjacentes sugere que ideias e prioridades políticas conservadoras parecem estar ganhando terreno na América Latina. Uma pesquisa anual muito acompanhada, realizada pelo Latinobarômetro, um instituto de pesquisa regional com sede no Chile, com mais de 19.000 entrevistados em 18 países, revelou que, em 2024, o grau de identificação dos latino-americanos com a direita atingiu seu nível mais alto em mais de duas décadas. A mesma pesquisa apontou Bukele, de El Salvador, como o político mais popular em toda a região, com uma média de 7,7 em uma escala de dez pontos; o menos popular, também por uma ampla margem, foi Nicolás Maduro, o ditador socialista da Venezuela, com apenas 1,3 ponto.

    A maioria das razões para a ascensão da direita não se origina de fatores externos, mas sim de mudanças na realidade da América Latina. Entre elas, destaca-se a crescente frustração da população com a criminalidade, um problema que, embora não seja novo na região, se agravou consideravelmente nos últimos anos. Segundo estimativas das Nações Unidas, a produção de cocaína na América Latina triplicou na última década, proporcionando às gangues e cartéis da região riqueza e poder sem precedentes e alimentando a violência relacionada ao narcotráfico. A América Latina representa 8% da população mundial, mas cerca de 30% dos homicídios. Em diversos países que realizarão eleições no próximo ano, incluindo Brasil e Peru, a criminalidade — um tema eleitoral que tradicionalmente favorece a direita — aparece nas pesquisas como a principal preocupação dos eleitores.

    No Brasil, as pesquisas sugerem que a percepção de fragilidade do presidente Lula no combate ao crime é um obstáculo significativo para sua reeleição em 2026. No México, o assassinato de um prefeito atuante no combate ao crime, em novembro, provocou uma onda de protestos de rua e intensas críticas à presidente Claudia Sheinbaum, que, embora mais rigorosa com os cartéis do que seu antecessor, recebe avaliações mais baixas dos eleitores em segurança do que em qualquer outra área. No Peru, em outubro, homens em motocicletas abriram fogo em um show, ferindo quatro pessoas; o ataque foi a gota d'água para a presidente peruana Dina Boluarte, que já tinha um índice de aprovação na casa de um dígito devido a alegações de corrupção em seu governo e outros problemas. Dias após o ataque, o Congresso peruano votou por unanimidade (122 a 0) pela sua destituição, alegando "incapacidade moral permanente".

    Outros fatores-chave na ascensão da direita incluem a disseminação do cristianismo evangélico na América Latina, tradicionalmente católica, que transformou a política em vários países, principalmente no Brasil, ao colocar questões da guerra cultural, como o aborto e a “ideologia de gênero”, no centro do debate. 

    Os dramáticos colapsos econômicos e sociais, que se prolongaram por anos, na Venezuela e em Cuba desacreditaram as políticas socialistas na mente de uma geração de eleitores em toda a América Latina, prejudicando a popularidade até mesmo de alguns candidatos de esquerda moderados, que, no entanto, são percebidos como parte da mesma corrente ideológica.

    Enquanto isso, a fama global de Milei (Argentina) e Bukele também desempenha um papel fundamental. Mesmo que a maioria dos eleitores da América Latina não deseje eleger cópias exatas de Milei e Bukele, cujas políticas muitos consideram extremistas, vídeos virais dos dois presidentes recebendo recepções de estrelas do rock na Casa Branca e em encontros prestigiosos, como a reunião anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, despertaram curiosidade, alimentando a sensação de que líderes de direita estão em ascensão não apenas em seus países, mas também no exterior.


Um comentário:

  1. Em 2025, o presidente conservador do Equador, Daniel Noboa, foi reeleito. A Bolívia viu o fim de quase 20 anos de regime socialista com a eleição de Rodrigo Paz Pereira, um reformista de centro. Os candidatos conservadores à presidência lideram as pesquisas na Costa Rica e no Peru, e estão muito próximos da vitória.

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