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Rodrigo Chemim Professor de Processo Penal no Mestrado em Direito na Universidade Positivo e na graduação no Unicuritiba. Doutor em Direito do Estado. Procurador de Justiça |
Mas, quando alguém que se autointitula “jurista” vem a público e diz a mesma coisa, sem destacar que o único crime que está bem descrito na denúncia é o de participação em organização criminosa;
- de que não há como imputar tentativa de golpe de Estado sem que se tenha praticado “violência ou grave ameaça” (isso é uma exigência da lei, do tipo penal sem o que a conduta deixa de ser crime);
- de que atos preparatórios não são em regra puníveis (no caso, alguns atos preparatórios descritos podem ser crime eleitoral, crime de prevaricação e crimes contra a honra);
- que o crime de tentativa violenta de golpe de Estado é um crime de atentado e, assim, não admite tentativa da tentativa, exigindo para sua consumação a prática de violência ou grave ameaça;
- que o tipo penal fala em “governo legitimamente constituído” e não “governo legitimamente eleito” (como diz a denúncia repetidas vezes);
- e que não é possível, num direito penal democrático, fazer interpretação extensiva ou analógica contra o réu para imputar fatos anteriores à mudança de governo (o governo Lula só esteve legitimamente constituído a partir da posse - é ato juridicamente complexo, não basta a eleição e a diplomação);
- de que não há como praticar o mesmo crime em 2022 se o acusado desse crime é a personificação do “governo legitimamente constituído” até o final de 2022;
- que os atos de 08 de janeiro de 2023 (turba ensandecida depredando prédios públicos) dissociado da adesão das forças armadas (a denúncia afirma que os comandantes da marinha e do exército não aderiram ao plano ainda no curso do governo Bolsonaro) passa a crime impossível pela absoluta impropriedade do meio, podendo caracterizar apenas crimes de dano;
- e que não enxerga “overcharging” na imputação simultânea de crimes meio para crime fim (dano e golpe de Estado) e de crimes que absorvem outros pela subsidiariedade (se a CF diz que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e isso pressupõe respeito ao governo legitimamente constituído, não há como tentar dar golpe de Estado sem tentar abolir o Estado Democrático de Direito),
Eu diria:
Cuidado com esse “jurista”. Ele parece não conseguir suspender seus preconceitos para interpretar questões jurídicas. Está mais para torcedor do que para “jurista”. Sua análise não é tecnica até porque isso tudo não envolve ter uma “opinião” divergente sobre esses aspectos da denúncia.
Não há como divergir dessas questões técnicas sem usar de muita retórica vazia e não séria. Há limites claros para a interpretação em direito penal. Ao menos numa democracia. Portanto, trata-se de enxergar o que deveria ser induvidoso a qualquer estudioso do direito penal.
O problema que fica é que, ao não fazerem as críticas necessárias e aplaudirem o todo da imputação por evidente alinhamento ideológico, aplaudem, na verdade, a possibilidade de quem detém poder agir de forma a ultrapassar os limites das garantias penais.
Depois, se o vento virar - e a história mostra que ele costuma virar - e o detentor de poder de plantão infelizmente fizer a mesma coisa no sentido ideológico inverso (porque o precedente estava criado), esses mesmos juristas virão se lamuriar publicamente se dizendo indignados. Lembrem-se deles…
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