11 junho 2025

Edifícios altos. A Europa tem resistido e tomara que continue assim

 


    A foto acima está sendo divulgada apontando fatos para uma comparação do Parvis (pátio) da Notre-Dame de 1960 com a sua aparência prevista para 2027. O espaço em frente à catedral está sendo transformado em uma área mais acolhedora e ecologicamente correta. O pátio  remodelado incluirá áreas sombreadas com 160 novas árvores, uma fina lâmina d'água para refrescar o ar em dias quentes e um pavimento de calcário que destaca a fachada icônica da Notre-Dame. No subsolo, o antigo estacionamento se tornará um espaço cultural com livraria, café e acesso à Cripta Arqueológica.

    Tal divulgação relembra um outro aspecto importante, na medida em que planejamentos, urbano e arquitetônico, têm sido desobedecidos e ou refeitos em diversas cidades do mundo. Contudo, a Europa tem sido uma exceção.  No Brasil só Brasília tem seus planos totalmente preservados, devido ao seu tombamento como Patrimônio Cultural da Humanidade, feito pela UNESCO. Mas, aqui acolá, empresários da construção civil querem modificá-lo como já o fizeram em diversas capitais do País, a começar por São Paulo e Rio de Janeiro, destruindo os espaços antigos e não apenas criando novos em áreas adjacentes.

    De um lado estão aqueles que defendem os arranha-céus como símbolo máximo do progresso e da modernidade. Para outros, eles são como uma mancha feia no horizonte. Não se precisa de muita massa cinzenta para se saber quem tem razão, nos ensina diversas cidades do mundo, principalmente as mais famosas da Europa.

    Ora, a história nos mostra que os primeiros edifícios realmente altos de que se tem notícia foram os zigurates de tijolos de barro construídos na Suméria, onde antes ficava a Mesopotâmia e hoje é o sul do Iraque. Eram estruturas religiosas moldadas pela fusão entre a riqueza recém-acumulada e a crença em algo além da existência material. 

    Esse desejo de alcançar o céu, enquanto se celebra tanto a fortuna e o poder quanto os deuses, também deu origem às pirâmides do antigo Egito e, milênios depois, às torres das catedrais medievais. 

    A Grande Pirâmide de Gizé, concluída em 2540 a.C, reinou soberana, erguendo-se acima de todas as outras edificações, assim como a torre da Catedral de Lincoln, na Inglaterra, finalizada em 1092.

Catedral de Lincoln, na Inglaterra, foi finalizada em 1092, 
e era uma das maiores construções da época

    Mas foi no final do século 19, quando as estruturas de aço e os elevadores tornaram possível — e viável — viver e trabalhar a 300 metros de altura, que os arranha-céus começaram a surgir em Chicago e Nova YorkA corrida rumo às nuvens começou nas cidades americanas, mas, com o tempo, também em outras metrópoles ao redor do mundo. 

    Hoje, na lista dos 100 edifícios mais altos do planeta, elaborada pelo Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), o prédio que aparece em primeiro lugar nos Estados Unidos é o World Trade Center, em Nova York. Ele ocupa o sétimo lugar, com 541 metros de altura, e é 287 metros mais baixo que o campeão: o Burj Khalifa, em Dubai. 

    Na verdade, os primeiros lugares dessa lista mostram como estados, reinos e emirados do Oriente Médio competem com a China, enquanto outros países, ansiosos por exibir sua nova riqueza, também entraram nesse jogo de números. 

A Europa, no entanto, é uma honrosa exceção

    Isso se deve a diversos fatores, mas um dos mais cruciais é que é muito mais difícil construir prédios altos na Europa por causa das regulamentações criadas para proteger o patrimônio cultural, tema observado e perseguido, por todas as suas gerações.

    Embora seja verdade que no 16º lugar da lista CTBUH apareça o Centro Lakhta, em São Petersburgo — o primeiro edifício europeu a figurar no ranking —, e que bem mais abaixo estejam três prédios em Moscou e um em Istambul, não há nenhum representante da Europa Ocidental.

O Centro Lakhta, em São Petersburgo,
com seus 462 metros de altura, é o prédio mais alto da Europa

    E mais: somente sete dos mil prédios mais altos do mundo se encontram na União Europeia. O Varso, um edifício comercial no centro de Varsóvia, na Polônia, ostenta o título de arranha-céu mais alto dessa região, mas está apenas no 179º lugar do ranking global. Depois dele vem a Torre Commerzbank, em Frankfurt, na Alemanha, que aparece na 552° posição, apesar dos seus 259 metros. 

Regulamentações rígidas

    Não é que não existam arranha-céus na Europa Ocidental, principalmente se considerarmos que, para ser classificado como um arranha-céu, um prédio precisa ter altura mínima de 100 metros.

    A região até possui alguns prédios que entram na categoria de arranha-céus "altos", com mais de 150 metros, mas são raríssimos os "super altos", que ultrapassam 300 metros, e não existe nenhum classificado como "mega alto", com mais de 600 metros. 

    E considerando que é um território rico, com pouco espaço disponível e muita gente — a Alemanha, por exemplo, tem uma densidade populacional maior que a dos Emirados Árabes, que são obcecados por arranha-céus — , era de se esperar que a Europa construísse mais prédios altos. Mas não tem sido assim, e não é por falta de conhecimento ou possibilidades. 

    Desde o início da corrida rumo ao céu, a Europa já contava com todas as competências necessárias, como demonstraram o francês Gustave Eiffel, em 1889, e o alemão Werner von Siemens, que inventou o primeiro elevador elétrico em 1880. 

As regras em Atenas, Roma e Londres

    AtenasSuas construções não podem tampar a vista do Partenon. Estão limitadas a 12 andares, a menos que estejam longe o suficiente para não impedir a visão do templo dedicado à protetora da cidade, Atena, deusa da sabedoria, da estratégia e da justiça. 

    De forma semelhante, na região central de Roma, nenhum prédio pode ultrapassar a altura da cúpula da Basílica de São Pedro, caso contrário, corre o risco de enfrentar a ira de Deus, do papa ou, pelo menos, de alguns burocratas da cidade. 

    Esse limite de 136 metros de altura foi quebrado em 2012, quando se construiu o arranha-céu "Torre Eurosky", de 155 metros. Mas ele só foi construído por estar fora da área de proibição, no distrito comercial e residencial da Exposição Universal de Roma (EUR).

A Basílica de São Pedro determina a altura máxima na zona central de Roma


    Então temos Londres. A capital britânica não é estranha aos arranha-céus. O mais alto, The Shard, ocupa o 195º lugar no ranking global, com seus 306 metros de altura. 

    Mas, apesar de Londres ter vários arranha-céus, não é tão fácil construí-los. Isso se deve, em grande parte, a uma lei de 1938, feita para proteger a Catedral de Saint Paul — ou, pelo menos, para garantir a vista do prédio, que já foi o mais alto da cidade, com 111 metros. Há oito corredores visuais protegidos que cruzam Londres, e todos eles devem preservar uma vista da catedral. Um obstáculo complicado de se contornar para quem sonha em quebrar recordes de altura.




Não se pode construir nada que tampe a vista da Catedral de Saint Paul, em Londres



    Com o tempo, alguns edifícios mais altos conseguiram surgir na Europa. Mas, com frequência, eles são controversos e mal vistos. Poucos conseguem ser mais odiados do que a famosa estrutura alta de Paris. E não, não é a Torre Eiffel, mas a Torre Montparnasse, com seus 210 metros. Construída em 1973, ela foi tão rejeitada que uma nova lei foi rapidamente aprovada para limitar a 37 metros a construção de novos prédios no centro de Paris. Somente no subúrbio do distrito comercial de La Défense se construíram edifícios altos depois disso, ainda assim, não tão altos quanto em outras partes do mundo. Essa é uma tendência na Europa: os arranha-céus, via de regra, ficam nos arredores da cidade.


Torre Montparnasse, que pode ser vista no horizonte de Paris, 
junto à Torre Eiffel, é odiada por muitos moradores

Outras razões para ausência de arraha-céus

    Sem dúvida, há outras razões, além do patrimônio cultural e da regulamentação rígida, que diferenciam os horizontes europeus de outras partes do mundo. A geografia particular de certas regiões da Europa também tem influência. Dada à sua latitude norte, os arranha-céus fazem mais sombra e, consequentemente, deixam menos luz para quem está embaixo. 

    Em Gotemburgo, na Suécia, por exemplo, os 245 metros de altura do Karlatornet projetam uma sombra no meio da tarde quase tão longa quanto a projetada pelos 828 metros do Burj Khalifa, edifício mais alto do mundo. E isso importa muito em uma região que recebe, em média, pouco mais de cinco horas de luz do sol por dia ao longo do ano. 

    Para alguns, a ausência de arranha-céus também pode ser explicada pela falta de necessidade: os arranha-céus são símbolo de status, que servem para dar visibilidade às cidades onde foram construídos. Nem Paris, nem Roma, nem Atenas e nem Praga precisam de um edifício alto para ter um lugar no mapa cultural da humanidade. 

    E assim, a Europa tem resistido, em grande parte, à tentação de construir prédios cada vez mais altos. E há quem defenda por se estar diante da beleza de sua arquitetura histórica, que não tampa a vista do céu. Tomara que continue assim.

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