29 maio 2022

O documento eletrônico individual do voto dará transparência às eleições

O artigo a seguir, uma peça didática, é a íntegra do que foi publicado pelo Instituto Voto Legal, cuja presidência é ocupada por Carlos Rocha, engenheiro formado no ITA, e que liderou o desenvolvimento e a fabricação da urna eletrônica no Brasil.

O seu primeiro parágrafo já contém uma afirmação muito importante para uma nação que se julga ser uma democracia plena e, portanto, deveria cumprir as leis estabelecidas pelo Congresso Nacional. Não é o caso do Brasil neste momento.

É conhecido, é sabido no meio técnico, portanto, que "hoje não existem instrumentos de auditoria independente que permitam ao TSE e à sociedade garantir a integridade dos resultados das eleições brasileiras". O assunto não é desconhecido pelo Supremo Tribunal Federal que, em sessão plenária, antes das eleições de 2018, já tinha conhecimento do fato e se esquivou de implementar as devidas correções. 

Boa leitura.

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O documento eletrônico individual do voto dará transparência às eleições

assinado com um certificado da ICP-Brasil para garantir a validade jurídica

Carlos Rocha

Presidente do Instituto Voto Legal, engenheiro formado no ITA, liderou o desenvolvimento e a fabricação da urna eletrônica

Processo eleitoral atual descumpre a lei

Recentemente, especialistas do Comando de Defesa Cibernética sugeriram ao TSE a "adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado". Concordo com quem entende que a urna eletrônica deixa de cumprir duas leis: a que define o registro digital de cada voto e a que garante a validade jurídica do documento eletrônico. Isto torna impossível ao eleitor confirmar o registro digital do seu voto e à seção eleitoral realizar a contagem pública dos votos, como determina o Art. 37 da Constituição Federal. A urna faz uma apuração secreta, quando todo ato administrativo deve ser público para ter validade jurídica. Sem os instrumentos técnicos necessários, os partidos políticos não conseguem fiscalizar todas as fases da votação e apuração na urna eletrônica, um procedimento garantido pelo Art. 66 da Lei 9.504 de 1997.

Registro digital de cada voto

A Lei 9.504/97 estabelece, no parágrafo 4º do Art. 59, que: “A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.” Basta ler a Lei para compreender que o registro de cada voto deve ser feito de modo individual e, naturalmente, gerando um documento eletrônico que tenha validade jurídica.

Em vez de fazer o registro individual do voto, a urna eletrônica armazena todos os votos juntos em um único arquivo, chamado de Registro Digital do Voto RDV. O nome no singular pode passar uma mensagem enganosa, pois, ao guardar todos os votos de uma seção eleitoral, o arquivo único deveria se chamar “Registro Digital de Todos os Votos”, o que, obviamente, não atende ao que a lei determina.

Como o arquivo único RDV reúne todos os votos, ele não pode se tornar um documento eletrônico com validade jurídica, antes do final da votação, porque, a cada novo voto recebido pela urna, o conteúdo do RDV é alterado. Por isso, o arquivo RDV não impede a manipulação dos votos, no caso de um ataque interno aos programas da urna, realizado por alguém que está dentro da organização e tem controle absoluto sobre o código-fonte. O registro digital do voto, realizado em uma linha da planilha RDV, não tem, portanto, a necessária validade jurídica que só seria garantida, através de um documento eletrônico individual criado para cada voto, assinado digitalmente com um certificado digital da ICP-Brasil.

Validade jurídica do documento eletrônico do voto

"Fica instituída a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras". Este é o art. 1º da Medida Provisória (MP) 2.200 de 2001, considerada o marco normativo da validade jurídica do documento digital no direito brasileiro.

Tempos atrás, você chegava a uma loja e, depois da compra, aguardava o vendedor retirar o talão de notas fiscais da gaveta e preencher a sua nota, manualmente. Isso se tornou coisa do passado. Hoje, todos os estabelecimentos comerciais emitem a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e). Ela substitui a nota fiscal impressa em papel, e tem todos os dados referentes à venda de produtos ou serviços transmitidos para a Secretaria da Fazenda. Toda empresa precisa fazer a assinatura digital da Nota Fiscal eletrônica com um certificado digital da ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica da nota em forma eletrônica.

Documento eletrônico individual do voto pode replicar a cédula em papel

Nas eleições de 2022, continuarão ocorrendo votação e apuração realizadas com cédulas impressas em papel, quando não são usadas urnas eletrônicas, na forma definida pela Resolução TSE Nº 23.669, de 14 de dezembro de 2021. Assim, para gerar o registro digital de cada voto, seria natural a urna eletrônica criar um documento eletrônico individual, seguindo o mesmo formato definido para as cédulas em papel. Entre os artigos 82 a 89, a Lei 9.504/1997 define duas cédulas oficiais impressas em papel: uma de cor branca, para as eleições proporcionais, e outra de cor amarela, para as eleições majoritárias.

Um certificado digital ICP-Brasil para cada seção eleitoral, similar ao usado em cada empresa

Para as eleições de 2022, cada urna eletrônica deveria trazer instalado um certificado digital da ICP-Brasil, individual para cada seção eleitoral, e um programa certificado, pelo INMETRO, para gerar um documento eletrônico para cada voto, com a validade jurídica da assinatura digital ICP-Brasil. No documento eletrônico criado para o registro digital de cada voto, não haverá qualquer informação sobre o eleitor, para garantir o sigilo do voto, exatamente da mesma forma realizada nas cédulas impressas em papel.

O novo documento eletrônico do voto poderia ser exibido ao eleitor, na tela da urna eletrônica, para a sua verificação e confirmação. A contagem pública ocorreria na seção eleitoral, com a exibição de cada voto na tela, para a fiscalização dos partidos. Auditorias independentes fariam a recontagem dos documentos eletrônicos dos votos, após a eleição. A autenticidade legal do documento eletrônico do voto seria sempre garantida pela certificação digital da ICP-Brasil, com uma cadeia de confiança independente do TSE.

Certificar a urna eletrônica no INMETRO, como é feito com a balança da padaria

A urna eletrônica deve ser o único produto eletrônico profissional, no Brasil, que não tem qualquer certificação independente. Até a balança da padaria precisa ser certificada pelo INMETRO, antes de medir o peso da mortadela comprada pelo consumidor. O TSE poderia combinar com o INMETRO o processo de certificação independente da urna eletrônica e dos programas do sistema eletrônico de votação.

A integridade do seu voto, a segurança da informação e a governança organizacional da Administração Eleitoral são temas essencialmente técnicos e devem ser tratados por especialistas que conhecem profundamente o assunto, sem a polarização política que vem ocorrendo.

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