Muito bem. Nesta quarta-feira o Oeste Sem Filtro iniciou sua edição comentando o artigo escrito pelo jornalista português João Paulo Batalha, sobre a realização da a 12ª edição de uma conferência que, no Brasil, tornou-se famosa com o nome jocoso de "Gilmarpalooza".
É verdade, o jornalista acertou em cheio e, principalmente, quando a definiu como uma orgia de promiscuidade. O time de comentaristas do Oeste Sem Filtro o referendou, como todo e qualquer brasileiro. Além no artigo, em sua íntegra, que pode ser lido abaixo, selecionamos também o que disse agora há pouco Ana Paula Henkel no referido programa. Veja-a e leia o respectivo artigo. Você também irá endossar o conteúdo de ambos. Eu assino embaixo.
Todos os anos, Lisboa acolhe um encontro de que nunca ouviu falar, mas que é uma autêntica parada de poderes promíscuos.
O que diria de um juiz que andasse em almoços, jantares e eventos de charme com empresários que têm processos pendentes junto desse mesmo juiz? Diria provavelmente que é corrupto ou que, no mínimo, estava a violar o seu mais elementar dever de reserva e recato, expondo-se a um conflito de interesses que põe em causa o seu julgamento. E se esse encontro de confraternização e palmadinhas nas costas acontecesse às claras, com datas marcadas e site na Internet, disfarçado apenas pelo véu (aliás, muito transparente) de um evento académico? Diria talvez, para usar a expressão muito portuguesa, "quem não tem vergonha, todo o mundo é seu". Bem-vindo ao "Fórum de Lisboa".
Sem ninguém reparar, fez-se na semana passada a 12ª edição de uma conferência que é, na verdade, uma transumância de lóbis brasileiros para a capital portuguesa. O evento passa-nos praticamente despercebido, mas no Brasil tornou-se famoso com o nome jocoso de "Gilmarpalooza" – uma referência ao festival de música americano Lollapalooza, batizado com o nome de Gilmar Mendes, o decano dos juízes do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que organiza o evento há 12 anos, através de uma escola privada de que é sócio, em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e a Fundação Getúlio Vargas.
Qual é o mal de um grupo de juristas, juízes, advogados, empresários e governantes se juntarem durante três dias para discutirem os "Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, económicas, socioambientais e digitais"? À primeira vista, nenhum. Até escavarmos só um bocadinho mais fundo. Só na edição deste ano estiveram representadas 12 empresas com processos perante o Supremo brasileiro – incluindo um empresário agraciado com uma decisão favorável do juiz Gilmar Mendes no âmbito da Lava Jato. Cá estiveram em Lisboa, a conviver com seis dos 11 juízes do mais alto tribunal brasileiro. O diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também cá esteve, com viagem paga pela Fundação Getúlio Vargas, que tinha sido recentemente alvo de uma investigação da própria Polícia Federal.
Lisboa é, em suma, o palácio de Verão da elite brasileira. Não vêm cá participar numa conferência internacional, dado que o programa é esmagadoramente composto por oradores brasileiros, misturando-se juízes, advogados, governantes e empresários. Para quê, então, fazer os 7 mil quilómetros entre Brasília e Lisboa, com todos os sobrecustos associados? Porque o verdadeiro programa do "Fórum de Lisboa" são as festas privadas, os jantares e cocktails em que a elite se distrai quando não está na Cidade Universitária a discutir os avanços e recuos da globalização. Reunido em animado convívio, a milhares de quilómetros do escrutínio dos seus concidadãos e da sociedade civil, o poder judicial, político e económico brasileiro discute os problemas do mundo, e resolve os seus.
A legitimar esta orgia de promiscuidade, nunca faltam no Fórum de Lisboa os contributos de personalidades portuguesas. Este ano passaram por lá o presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco, os presidentes do Tribunal de Contas e do Tribunal Constitucional e vários atuais e ex-governantes. Muitos irão ao engano, admito, sem perceberem que se estão a meter num poço de "lóbi descarado", como lhe chamou em entrevista ao Expresso o professor brasileiro Conrado Hübner Mendes. Mais avisada devia estar a Faculdade de Direito de Lisboa, parceira local da iniciativa. Mas não espanta que uma das Faculdades mais endogâmicas do país, complacente (senão cúmplice) com casos de assédio, verdadeira escola de poder (que não necessariamente de Direito) de Portugal se preste a acolher esta obscenidade.
Claro que o próprio Gilmar Mendes, também em entrevista ao Expresso, não vê qualquer problema. Pelo contrário, exulta ele, "o Fórum de Lisboa é o Brasil que dá certo". Todos amigos, pois claro, porque o génio do Gilmarpalooza é precisamente fazer-se às claras. Com agenda pública (e outra, privada, inconfessável), a festa do arranjinho brasileiro em Lisboa é a institucionalização da promiscuidade e o triunfo do poder total, em que dinheiro, política e lei se misturam na mesma agenda. Se alguém contesta, é uma mera diferença de opinião. A própria existência de um evento público alimenta a narrativa de que não há nada para esconder, e lá vai ele, "o Brasil que dá certo", ajudado pelo Portugal que faz errado, de vento em popa, na velha capital do império.
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