03 julho 2024

A matemática está colocando na pilha da riqueza brasileira R$ 455 bilhões mas poderia ser R$1,782 trilhão

Profissões intensivas em matemática são as que mais crescem no mundo. Brasil ainda está defasado

Atividades que utilizam intensivamente a matemática respondem por 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, geram 7,6% dos empregos, pagam o dobro da média salarial nacional e são mais resilientes em momentos de crises. Estes dados foram apresentados pelo matemático Marcelo Viana na 5ª Conferência FAPESP 2024, intitulada "Quanto vale a matemática para o Brasil".

“Fiz uma conta para podermos entender do que estamos falando. Em 2022, o PIB do Brasil foi R$ 9,9 trilhões. A contribuição efetiva da matemática, de 4,6%, correspondeu a R$ 455 bilhões. É um percentual baixo, comparado ao dos países avançados, mas, aqui entre nós, R$ 455 bilhões não são brincadeira. A matemática está colocando na pilha da riqueza brasileira R$ 455 bilhões. Porém, se estivéssemos no patamar francês, de 18%, a matemática estaria contribuindo com R$ 1,782 trilhão. A diferença é de R$ 1,327 trilhão”, disse Viana, e sublinhou que tal valor é anual.

“Essa diferença é a mina de ouro, a oportunidade que a gente tem de, agindo, gerar ao menos parte desse recurso que estamos deixando de produzir”, falou.

Ele direcionou sua conferência para o papel que a universidade pode desempenhar para a realização dessa meta, que colocaria o Brasil no mesmo patamar de países desenvolvidos quanto à contribuição econômica da atividade matemática. O pesquisador identificou dois papéis fundamentais: formação e transferência de conhecimento para o setor produtivo. E enfatizou a necessidade de que a comunidade acadêmica saia de sua torre de marfim. “A grande maioria das empresas não tem a menor ideia do que conversar conosco. Nem que seja relevante conversar. Precisamos mostrar que estamos abertos ao diálogo”, afirmou.

Viana citou uma pesquisa do Escritório de Estatísticas de Trabalho dos Estados Unidos, que afirma que o emprego global em profissões ligadas à matemática deve crescer mais rapidamente do que a média de todas as profissões de 2022 a 2032. E insistiu que, no Brasil, falta correspondência entre o que a academia está fazendo e o que o mercado está demandando.

“Nosso ensino superior está crescendo, o que é bom, mas não está crescendo bem. O dado relevante, positivo, é que, atualmente, 19,7% dos brasileiros têm formação universitária, índice ainda baixo em relação a países desenvolvidos, mas o dobro dos 7,9% do início da década passada. Por outro lado, esse aumento de frequência e de titulação universitária está acontecendo, me perdoem, nos lugares errados. Segundo o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], Pedagogia, Administração, Direito e Enfermagem são, há uma década, os cursos com maior número de matrículas no país”, afirmou.

Acrescentou que o que está sendo vendido para os estudantes que ingressam nesses cursos é uma miragem, porque o grau de empregabilidade dos egressos é baixíssimo. 

“Quem se forma, por exemplo, em Administração tem uma chance de 3,4% de exercer a profissão na área em que se formou. Nas outras três áreas, os percentuais são menos dramáticos, mas também baixos: Pedagogia (15,5%), Direito (8,9%), Enfermagem (7%)”, informou.

Viana sustentou que o problema não se restringe ao ensino universitário. Citando um artigo dos professores Fernando Paixão e Marcelo Knobel, mostrou que o gargalo na formação de engenheiros no país não é a falta de cursos de engenharia, mas a baixíssima proficiência em matemática dos alunos egressos do ensino médio. Enquanto a Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível superior da avaliação de matemática do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes; o Canadá, 43,3%; e a Coreia do Sul, 51,8%; o Brasil possui apenas 3,8%. “Isso geralmente é visto como um problema educacional. Claro que também é. Mas é principalmente um problema estratégico nacional. Sem profissionais capacitados a utilizarem ferramentas matemáticas na resolução de problemas reais não há desenvolvimento”, argumentou.

O pesquisador apresentou um gráfico de crescimento e declínio das matrículas de mestrado e doutorado por área, no período 2015 a 2022, mostrando um forte crescimento em Humanas e Ciências Sociais, um crescimento quase nulo em Saúde e um declínio muito acentuado em Exatas, Biológicas, Agrárias e Engenharias. “Não estou fazendo uma comparação de valor entre as diferentes profissões, mas uma ponderação sobre as necessidades do país. Esta é a direção errada na qual estamos avançando”, resumiu.

Quanto à imagem de “bicho-papão” que a matemática ainda tem para muitos estudantes, Viana destacou que “é preciso dizer para que a matemática serve; mostrar que ela é útil, que faz sentido e que é fundamental para o desenvolvimento do país”.

No Brasil - do vai e volta - alertas como o visto acima já ocorreram diversas vezes. Em particular, uma que chamou bastante atenção foi a que, por motivos similares, resultou na negociação do Programa de Desenvolvimento das Engenharias (PRODENGE).  

O Programa contava com recursos advindos de um empréstimo de US$ 48 milhões feito pelo Tesouro junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Houve também investimentos por parte da Finep, do CNPq e da CAPES.

O lançamento do PRODENGE foi realizado, em setembro de 1995. À época o Brasil contava com um total de 159 escolas de engenharia.

O PRODENGE possuía dois subprogramas: o Reengenharia do Ensino em Engenharia (REENGE), que compreendia a participação de 45 escolas de Engenharia, selecionadas por edital; e o Redes Cooperativas de Pesquisa (RECOPE), composto por universidades, institutos e empresas. 

Em novembro de 1999, foi realizada uma avaliação preliminar do REENGE, ocasião em que se constataram os prejuízos causados pelos atrasos na liberação dos recursos, principalmente no desenvolvimento dos projetos referentes aos Editais subsequentes ( 02/96 e 01/98). Apesar disso, os projetos foram levados avante pelas escolas.

No final 1998 e início de 1999, deixaram seus cargos os titulares do MCT e  da FINEP. Apesar do planejamento extremamente cuidadoso, do sucesso da sua implantação, dos resultados alcançados e do reconhecimento público e notório da sua importância, o PRODENGE não sobreviveu às mudanças dessas direções.

Desde 2001 a comunidade de engenharia vem encetando, sem sucesso, esforços junto às agências do MCT e do MEC no sentido do restabelecimento do PRODENGE, ainda que com outro nome e com novas diretrizes.


PS.: A concepção, planejamento e execução do PRODENGE teve como seu principal ator, o engenheiro Waldimir Pirró e Longo, falecido em março/2024, profissional de carreira brilhante que deixou uma herança inestimável para a Ciência e Tecnologia do País.

A história de sua vida, desde o seu nascimento, pode ser lida no livro - capa na imagem - e que está disponível gratuitamente através deste link. Clique aqui.

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