Estamos a menos de 24 horas para a virada do ano. Já dura uma semana de noite adentro que se aguarda a chegada do novo ano. Nesse espaço de tempo a busca por - objetos - em seu sentido mais amplo, que se deve ter o cuidado de guardá-los e, claro, de não esquecê-los.
Dentre tais - objetos - estão os artigos que muito significarão para a história a ser contada de nosso País num futuro mais distante pelos historiadores profissionais. Especialmente, quando o assunto a ser pesquisado será o de nossa República durante o ano que ora se encerra. Neste contexto, reproduzo neste Blog o primoroso artigo do Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental, jornalista e editor.
Boa leitura e ...
* * *
OS 300 DE ESPARTA E OS CORVOS DA REPÚBLICA
Em nossas Termópilas, a democracia é esmagada pelos corvos, sem que haja um único Leônidas a liderar sua defesa
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental, jornalista e editor.
30/12/2023
O leão nunca ataca o touro se ele tem seu chifre em postura de ataque. Ele ataca quando o touro se põe em fuga.
Essa lição parece caber integralmente na coreografia das nossas instituições nacionais na presente crise política.
Em verdade, não se trata das instituições... mas do péssimo material humano que delas se assenhorou.
Vivemos um conflito derivado da notória falta de legitimidade do atual governo.
O presidente Lula da Silva, um "líder popular", não pode por o nariz na rua sem sofrer alguma ofensa... de populares. Já o seu antecessor - cassado e "caçado" pelo sistema instalado no planalto, é recebido nos braços do povo até na Argentina. Fatores sintomáticos de que algo de errado, não está certo.
Aliás, tal qual um castelo de cartas, um regime ilegítimo apoiado pela jurisprudência do medo produzida por um tribunal injusto... não vencerá a lei da gravidade e... cedo ou tarde, cairá.
Os sintomas da ruptura são claros.
Uma sombra cada vez maior se abate sobre o sistema eleitoral "eletrônico" brasileiro - utilizado aqui e no Butão, e já substituído até na Venezuela por um sistema de voto impresso. Esse incômodo assunto é propositadamente obnubliado por uma imensa polarização no ambiente político e social - a cada dia estimulada pelo governo impopular e seus acólitos nele pendurados.
No mesmo sentido, testemunhamos a tragédia, da desmoralização impressionante, sofrida pelas instituições permanentes da República, e encetada por seus próprios quadros.
A péssima judicatura em exercício nos tribunais superiores soma sua desfaçatez à de membros do Ministério Público e agentes de segurança ideologicamente orientados. Temerosos da evidente impopularidade e alvos da desconfiança do Povo, tratam de distribuir carteiradas, criminalizar críticas, caçar e cassar mídias discordantes.
O nível de distorção de valores é impressionante. Os corvos instalados na Repúbluca tratam de intimidar cidadãos de bem, enquanto manipulam o entendimento das normas legais para garantir a impunidade aos notoriamente maus, reprimir dúvidas e questionamentos de jornalistas e cidadãos, esmagar o direito de defesa e inibir manifestações de protesto. O aparato instalado em Brasília, hoje, mimetiza hienas acossadas que reagem em bando, tentando isolar e atacar suas vítimas...
O avanço da censura e da perseguição política, protagonizado por decisões judiciais atrabiliárias, somado à postura de escárnio adotada pelos novos pançudos no Poder Executivo, destrói o Estado de Direito sob o cínico pretexto de "salvá-lo".
Vale aqui mencionar o sempre atento General Paulo Chagas, que exerceu crítica às ações literalmente arrogantes do Ministro Alexandre de Morais - aquele que tudo investiga, inquisidor e julgador...
O General escreveu em seu twitter:
"Convido Alexandre de Moraes a assistir ao filme "300 de Esparta" na cena em que Leônidas, ao final da luta nas Termópilas, em um último gesto, atira sua lança em direção a Xerxes e o fere no rosto lembrando-o de que ele não era imortal.
Os persas venceram a batalha mas não a guerra!"
Porém, em nossas Termópilas, a esmagadora maioria de populares mobilizados é que está sendo sacrificada pelos corvos, sem que haja um único Leônidas a liderá-la.
Os corvos da República, togados, engravatados ou uniformizados como o boneco "Falcon" do "Comandos em Ação", zelosos dos seus privilégios e prerrogativas, "premiados" com gordos salários, têm consciência da podridão que operam. Sabem que a história será com eles implacável. Temem o desprezo dirigido a eles pelos cidadãos de bem e, talvez por isso, agem desbragadamente, como se não houvesse amanhã.
A covardia institucionalizada se revela na direta proporção da arrogância que a protoditadura instalada em Brasília demonstra, ao beneficiar notórios "vilões" do escândalo da Lava Jato, aprovar privilégios odiosos a seus pares, investigar, processar e condenar cidadãos comuns por condutas "construídas", em sede e foro "de exceção" - aplicando-lhes penas que não teriam coragem de infligir ao chefe de quadrilha do tráfico da esquina da rua onde moram. Reprimem e desencorajam manifestações públicas de protesto às aberrações que produzem contra a República, a Moral Pública, os costumes e a ética. Abusam da caneta, como se a tinta que a abastece uma hora não acabe...
"Lucas 12:24 NVI
Observem os corvos: não semeiam nem colhem, não têm armazéns nem celeiros; contudo, Deus os alimenta. Vocês têm muito mais valor do que as aves!"
Guardo um profundo respeito por toda mobilização popular. Ainda que haja equívocos, a ação voluntária dos seguimentos do povo expressa um traço profundo de humanidade.
As manifestações populares constituem o verdadeiro termômetro da democracia. Talvez por isso, sempre tenha desprezado o transporte de gente paga para "inchar" manifestações, a claque ensaiada e a distribuição do kit "R$50+pão-com-mortadela" - que transforma ato político em show de torcida organizada.
Esta a razão evidente de constatar que a pantomima lulopetista... nunca foi mobilização popular, embora contemple o que há de mais miserável na natureza humana.
Porém, há algo mais trágico que isso: o sacrifício contido numa mobilização perdida pela covardia atribuída à liderança. E é o que parece ter ocorrido no Brasil, frustrado pelo bolsonarismo e retomado pelo lulopetismo.
O Brasil foi palco das maiores manifestações pacíficas de massa ocorridas na história da humanidade, desde a libertação da Índia sob a liderança de Gandhi. Essas manifestações, iniciadas em junho de 2013, num primeiro momento apontaram para a perspectiva de reformas profundas no carcomido Estado Brasileiro, na década passada.
No entanto, a covardia, a pusilanimidade, a corrupção e o despreparo de quem deveria assumir uma liderança, ou foi pelo povo incumbido disso, permitiu a recomposição do carcomido establishment - no pior formato imaginado.
Milhões de pessoas se mobilizaram, antes e depois das eleições de 2022. Acusadas de "antidemocráticas", mantiveram-se corajosas. Fizeram uso pacífico do sagrado direito de livremente se manifestarem. Centenas de milhares se sacrificaram nas ruas, pacificamente, sem qualquer perspectiva de resposta das instituições permanentes da República - acomodadas, cooptadas e acovardadas.
Certos ou equivocados - pouco importa num regime plural, cidadãos conservadores, cristãos e democratas, viram nossas forças armadas se reduzirem o um conjunto de "soldadinhos toddy". Testemunharam a Policia transfigurar-se na "Gestapo" tupiniquim e, para completar a tragicomédia nacional foram enredadas na farsa de 8 de janeiro - o único caso em todo mundo de "tentativa de supressão violenta do Estado de Direito" em que não se produziu um único tiro, não se fez um único morto, não se reteve, encarcerou, agrediu ou perseguiu uma única autoridade representante dos poderes em causa ou mesmo se tratou de ocupar, com intuito funcional, algum quartel ou mesmo os predios vandalizados na confusão.
Num país que já assistiu tomadas de forte, quarteladas e revoluções, com governantes de estatura capazes de pacificar e superar os conflitos fazendo uso de instrumentos como a anistia, redução de pena ou indulto - o que temos hoje é o desprezível espetáculo de pigmeus morais, pulgas saltitantes, "descendo a pua" em aposentados, donas de casa e pais de família - exemplados por um quebra-quebra na praça dos três poderes, sem que sequer a conduta dos mesmos seja esclarecida de fato.
Assim, centenas de pessoas permanecem encarceradas à revelia da lei - com base na pantomima "golpista", forjada pelo imbróglio mal explicado de 8 de janeiro.
A desmoralizada mídia convencional - formada por micos amestrados que dançam conforme a música tocada pelo realejo do Planalto, distorce o fenômeno, aplaudindo a repressão e estigmatizando de forma leviana os atos de protesto - propositadamente confundindo-os com o "golpismo" - de fato efetivado no "contragolpe" de 8 de janeiro. Com isso, contribuiu para destruir a liberdade de imprensa e a dignidade do jornalismo brasileiro.
Se a mobilização em frente aos quartéis parece ter servido de "lastro", de "salvo conduto" de lideranças em fuga; a pantomima de 8 de janeiro claramente autorizou a somatória de escárnios e violações a garantias constitucionais, caras à democracia, que incrementam hoje o processo de venezuelização, de desmoralização institucional e da censura ao livre pensar no Brasil.
O espetáculo que assistimos nesse período foi e é dantesco. Impondo "pós-verdades", ditadas como "novilíngua" do drama de George Orwell, os corvos da República mergulharam os brasileiros numa espécie de "venezuelização" da política nacional. Após um processo de abdução jurisprudencial, o quadro judiciário se assenhorou do sistema partidário. Manteve e mantém, na coleira, organizações políticas organizadas de forma provisória, reféns da chave do cofre do fundo partidário.
Esse aprisionamento destruiu a harmonia entre os poderes. Deixou o eleitor à margem da estrutura daquilo que deveria representar sua soberania. Sem soberania popular, permanece no ar a ameaça de represália a quem manifesta apoio à maior lisura e transparência no pleito eleitoral. Não havendo mais garantia a direitos básicos da cidadania, restou a censura, a perseguição e o acobertamento sistemático ao mal feito.
O silêncio omisso e a falta de liderança do parlamento nacional revela a hegemonia dos covardes na política atual. O fenômeno da covardia aumenta a sensação de desperdício do esforço popular e estimula a sensação geral de desalento. Aliás, a sensação de "tudo pode - nada pode", emanada da "destruição criativa" protagonizada pelos corvos da República, desmobiliza a camada produtiva da população e amplia a deseconomia.
Sofremos hoje uma reação coletiva, histórica, de profunda frustração, um corrosivo desprezo por todas as instituições que se alimentam do que ainda resta de nosso tecido social. Um retrocesso cívico-cultural aos tempos de colônia.
Presenciamos cidadãos serem inutilizados e destruídos por uma repressão cega, protagonizada por gente que fez da justiça pretexto para exercer tiranias. Famílias cindidas, hoje permanecem ao desabrigo de um pronunciamento oficial decente - e ainda são achincalhadas com um "perdeu mané, não amola".
A esbórnia retornou em peso, com ares de revide.
Se o pior já ocorre, hoje, com as instituições permanentes, civis, da República, as FFAA seguem solertes para o poço do opróbrio, pela omissão de seus comandantes. Estes, ainda que aquinhoados com benesses salariais, sabem do evidente desmonte que sofrerão sob o tacão dos populistas, que não hesitarão em subjugá-los.
Como lecionava Aristóteles, "são as escolhas efetivas entre o bem e o mal que definem o caráter, nunca o que se pensa sobre um ou outro".
Não bastará, portanto, "arremessar a lança contra Xerxes".
O desprezo surdo, visto no 7 de setembro de 2023... deverá se repetir nos eventos próximos, incluso a pantomima de 8 de janeiro.
Como vaticinou Churchill, pode-se enganar alguns por algum tempo... mas não se enganará a todos, todo o tempo. A verdade surgirá e a história será implacável.
Talvez, seja o caso de ler e cantar os Salmos.
* * *