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07 junho 2025

O "falso possuir" na cultura das mídias digitais



    Vive-se em uma era marcada pela digitalização da vida cotidiana, onde bens culturais, relações e experiências são cada vez mais mediados por telas e redes. Nesse contexto, surge o fenômeno "falso possuir", uma ilusão promovida pelas mídias digitais que faz com que as pessoas sintam que possuem algo, quando na verdade apenas acessam ou interagem superficialmente com ele.

    No passado, possuir um livro, um disco ou um álbum de fotografias implicava em uma relação material e duradoura com esses objetos. Hoje, no entanto, milhões de pessoas sentem que "têm" músicas, filmes, amigos ou memórias apenas por tê-los salvos em plataformas digitais ou compartilhados em redes sociais. No entanto, esse "ter" é muitas vezes efêmero: não se possui o arquivo, mas apenas o acesso temporário e condicionado a serviços e conexões. Quando uma plataforma muda suas políticas, sai do ar ou cobra pelo conteúdo, o que parecia nosso desaparece — revelando a fragilidade do vínculo.

    Além disso, o "falso possuir" atinge o próprio sentido de identidade e pertencimento. Nas redes sociais, muitos acreditam possuir uma imagem bem construída de si mesmos, medida por curtidas, seguidores e stories. No entanto, trata-se frequentemente de uma representação editada, filtrada e performática, que não corresponde à realidade completa. Assim, pessoas se apropriam de estilos de vida, opiniões e causas que circulam nas mídias como forma de identificação momentânea, sem necessariamente compreendê-las ou vivenciá-las de forma profunda.

    Outro aspecto é o consumo de informação. A abundância de conteúdos curtos e rápidos (como vídeos de segundos, manchetes e memes) gera uma falsa sensação de conhecimento. O indivíduo acredita que está bem informado, mas consome apenas fragmentos, muitas vezes descontextualizados. Nesse caso, o "falso possuir" se relaciona com a superficialidade do saber, um fenômeno que enfraquece o pensamento crítico e o diálogo.

    Em síntese, o "falso possuir" na cultura das mídias digitais expõe um paradoxo da modernidade: quanto mais temos acesso a tudo, menos efetivamente possuímos. A cultura digital promove conexões rápidas e amplas, mas frequentemente esvaziadas de profundidade, durabilidade e autonomia. Refletir sobre isso é essencial para que se possa reconquistar formas mais autênticas de relação com o mundo, com os outros e conosco mesmos — não apenas clicando, mas experienciando, compreendendo e cultivando o que realmente importa.

Um comentário:

  1. Parabéns pela reflexão, Eratóstenes. Um abraço, Nelson

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