Passados alguns dias da entrega da proposta de Reforma da Previdência, pelo Executivo ao Congresso Nacional, diversos estudiosos e analistas se debruçaram sobre o seu texto, tendo suas manifestações e de seus leitores, especialmente o Ricardo Knudsen, sido publicadas nos jornais da grande imprensa (Correio Braziliense, Estadão, Folha e O Globo), além das manifestações de associações de classe, especialmente a da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Do material lido, selecionamos e resumimos o que foi publicado sobre os seguintes tópicos: aposentadoria pelo teto do INSS; déficit fiscal da previdência; jabutis inseridos pelo executivo na proposta apresentada; e as perversidades visíveis na proposta. Este texto adiciona mais argumentos ao que escrevemos na semana passada acessível aqui Pague mais e receba menos.
Aposentadoria pelo teto do INSS
A reforma da Previdência praticamente acaba com a aposentadoria pelo teto do INSS, que neste ano é de R$ 5.839,45. As novas regras de transição tornam a aposentadoria pelo teto quase inacessível. O novo cálculo proposto deixa esse valor ainda mais distante dos trabalhadores. Atualmente, o segurado com salários mais altos depende do fator previdenciário maior do que 1 para receber o teto da Previdência. As regras de transição fixadas pelas emendas de 1998, 2003 e 2005 são abandonadas, sem qualquer consideração quanto aos direitos garantidos. Será preciso computar pelo menos 40 anos de contribuição, o que onera, em especial, as mulheres, que terão que cumprir dez anos a mais para alcançar esse patamar.
O déficit da Previdência
A Previdência Social federal tem quatro categorias: regimes gerais urbano e rural (RGPS), regime próprio (RPPS, servidores públicos) e Forças Armadas. Além disso, no âmbito da assistência, há o BPC (Benefício de Prestação Continuada): um salário mínimo aos idosos e deficientes em situação de miserabilidade.
O suposto déficit da Previdência previsto para 2019 é de R$ 292 bilhões, distribuídos em: R$ 102 bilhões do regime urbano, R$ 116 bilhões do rural, R$ 54 bilhões dos servidores públicos federais e R$ 20 bilhões das Forças Armadas. O BPC ainda adiciona outros R$ 59 bilhões (diferentemente da Previdência, não há contribuição para a contrapartida do BPC).
O déficit do RGPS só crescerá em relação ao PIB se não houver geração de empregos formais, nem crescimento do PIB. O déficit do RGPS caía em relação ao PIB, antes da crise. Caiu de 1,5% do PIB em 2003, para 0,9% em 2013. O RGPS urbano foi superavitário até 2015, e cobria parte do RGPS rural. O desemprego e a queda de 7% do PIB em 2016-17 criaram o déficit atual. Assim, é falso que o déficit/PIB do RGPS necessariamente crescerá. Se o novo governo entregar os 10 milhões de empregos que prometeu, o déficit cai.
O RGPS urbano é atuarialmente justo ou menos que isso. Significa que as contribuições são maiores ou iguais aos benefícios, trazidos a valor presente. O deficit recente do RGPS urbano se deve ao desemprego, caindo este, volta o superavit que havia até 2015. Não precisa de reforma ou idade mínima. Confira aqui.
A maior parte da economia da reforma não vem da idade mínima, pois o fator previdenciário já cumpre essa função. Vem do aumento do tempo de contribuição a 40 anos, do rebaixamento do piso de 80% para 60% da média dos salários de quem se aposenta por idade, da extinção (na prática) da aposentadoria rural, das reduções do BPC, da inviabilização das aposentadorias dos pobres que não atingirão 20 anos de contribuição, etc.
O fator previdenciário já leva em conta o envelhecimento populacional. A tabela do fator é atualizada anualmente com os dados do IBGE sobre a sobrevida em cada idade. O fator diminui, em função do aumento da longevidade. Assim, não se justifica a idade mínima. Usa-se a idade de aposentadoria como um fator moral, para desacreditar a previdência pública, embora a aposentadoria por contribuição seja atuarialmente justa em qualquer idade.
Ainda sobre o déficit da previdência sugiro ouvir este depoimento prestado ao Senado, em 2018, detalhando o destino dos recursos arrecadados pelo governo federal.
Jabutis
No projeto de reforma da Previdência há um generoso favor a empregadores interessados em demitir funcionários já aposentados. Se o texto for aprovado com essa aberração, aposentados serão demissíveis sem a multa de 40% sobre seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ninguém se surpreenderá se empresários aplaudirem a mudança. Os autores da manobra são geralmente congressistas. Desta vez, o pacote foi entregue ao Legislativo já com o bicho misturado aos componentes normais.
A proposta ainda tira da Constituição a regra que determina reposição da inflação para os benefícios acima do salário mínimo pagos a aposentados e pensionistas da iniciativa privada e do setor público. Atualmente, essa determinação está em dois trechos da Constituição que têm a mesma redação e determinam: "É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real".
A nova redação apresentada na PEC da Previdência exclui o termo "valor real" em ambos os trechos —do que trata do reajuste de benefícios dos servidores (hoje parágrafo 8º do artigo 40) e também do dedicado ao reajuste de benefícios dos trabalhadores da iniciativa privada (o atual parágrafo 4º do artigo 201).
Perversidades
Em adição ao que já escrevemos no texto anterior, um outro exemplo claro de perversidade da reforma apresentada, é o valor da pensão por morte, cuja acumulação com provento de aposentadoria se dará por faixas de renda, não podendo superar (a parcela a ser acumulada), dois salários mínimos.
O valor da própria pensão, que já foi reduzido pela Emenda Constitucional n. 41, no caso do agente público, será de apenas 50%, acrescidos de 10% por dependente, sendo tais cotas não reversíveis. Assim, em caso de infortúnio, o valor assegurado ao cônjuge remanescente é de 60% apenas, e poderá chegar a 100% somente na hipótese de haver 4 filhos dependentes, situação muito rara nos dias de hoje.
Caso a pensão por morte seja devida em face de falecimento de servidor aposentado por invalidez após 15 ou 20 anos de atividade, que não seja decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, o seu cálculo dependerá do tempo de contribuição do falecido, e poderá chegar a apenas 36% da remuneração, posto que o benefício será calculado sobre apenas 60% da média apurada. É desumano.
Agraciados
A proposta da reforma da Previdência prever a substituição do RGPS (Regime Geral que atende ao setor privado) pelo sistema de capitalização, no qual cada trabalhador passaria a ter uma conta individual, onde é depositada uma percentagem de seus rendimentos. Esse dinheiro será aplicado pelos gestores e funcionará como uma poupança compulsória a ser sacada após a aposentadoria. E quem serão os seus gestores ? Ora, os agraciados de sempre, na maior cara de pau, conhecidos em seu conjunto como sistema financeiro. E mais, tal sistema não dividirá nada para ganhar mais. Argumento inverso ao que tem sido propalado pelo governo no sentido de que algumas (?) classes irão dividir o que recebem para que todos ganhem.
Revisado em 10/03/2019.
PS2.: O presidente Jair Bolsonaro admitiu nesta sexta-feira, 5/4, em café da manhã com diretores de redação de jornais que a proposta de capitalização na reforma da Previdência poderá não ser aprovada pelo Congresso Nacional. "Vai ter reação. Eles (parlamentares) vão tirar", disse Bolsonaro. O presidente sugeriu deixar a introdução do modelo de capitalização, que prevê a adoção de contas individuais para os novos entrantes no mercado de trabalho, para um "segundo turno".
Muito didático seu texto. Estão tentando mais uma vez, prejudicar o trabalhador. O que muda para as grandes incorporações, militares e para essa corja que estão nos três poderes?
ResponderExcluirA propósito do déficit, o Estadão publicou neste sábado (02), para o mês de janeiro, um superavit primário de R$ 46,9 bilhões obtido pelo setor público. Após incluir a previdência esse valor cai para R$ 35,6 bilhões. Entretanto, quando se paga os encargos financeiros da dívida, sai-se desse saldo para um déficit de R$ 26 bilhões, o chamado resultado nominal. Ora, não é difícil concluir para onde foi o dinheiro do contribuinte, R$ 61 bilhões só em janeiro, abocanhados por meia dúzia de bancos/banqueiros. E a culpa do rombo das contas públicas ainda querem jogar para os beneficiários do INSS. Me poupe !
ResponderExcluirSegundo o economista Fabio Giambiagi, em seu artigo publicado na edição de 13/03/2019 do Estadão, explicando o que é capitalização, ele dá o seguinte exemplo: supondo 1% de incremento salarial anual na carreira e um juro real de 4%, a contribuição de equilíbrio requerida para uma pessoa se aposentar com o valor do último salário será de quase 29% do salário durante 35 anos !
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