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04 maio 2024

O poder da inovação ( 3/3 )

Em "O poder da inovação ( II )", dissemos que a capacidade de um país projetar poder na esfera internacional – militar, econômica e cultural – depende da sua capacidade de inovar mais rapidamente e melhor do que os seus concorrentes. Os fatos reias assim o demonstram e foram muito bem capturados pela Netflix em  "O ponto de virada - A bomba e a guerra fria" citada no "O poder da inovação ( I )", série esta que nos tem estimulado a continuar escrevendo mais um pouco sobre esse tema. Feito esse registro, continuemos então.Vamos lá.

A principal razão pela qual a inovação proporciona hoje uma vantagem tão grande é que gera mais inovação. Em parte, isso acontece devido a dependência de trajetória que surge quando grupos de cientistas atraem, ensinam e treinam outros grandes cientistas em universidades,  institutos de pesquisa e em grandes empresas de tecnologia. Mas também ocorre porque a inovação se baseia em si mesma. A inovação depende de um ciclo de invenção, adoção e adaptação – um ciclo de feedback que alimenta ainda mais inovação. Se algum elo da cadeia se romper, o mesmo acontece com a capacidade de um país inovar eficazmente.

Uma liderança em inovação normalmente é construída com base em anos de pesquisas anteriores. Mas o fosso em torno dos países que desfrutam de vantagens estruturais em tecnologia está diminuindo. Graças, em parte, a pesquisa acadêmica mais acessível proporcionada pelo  surgimento da Internet e do software de código aberto, as tecnologias difundem-se agora mais rapidamente em todo o mundo. 

A disponibilidade de novos avanços ajudou os concorrentes a recuperarem o atraso a uma velocidade recorde, como se verifica em países como a India e a China.  Embora parte do recente sucesso tecnológico da China resulte da espionagem e do desrespeito pelas patentes, grande parte dele remonta a esforços inovadores, e não derivados, para adaptar e implementar novas tecnologias. Lá, em 2015, o Partido Comunista Chinês apresentou a sua estratégia “Made in China 2025” para alcançar a autossuficiência em indústrias de alta tecnologia, como as telecomunicações e a IA. Em 2017, Pequim anunciou planos para se tornar líder global em inteligência artificial até 2030. 

Em computação quântica, os Estados Unidos mantêm vantagem. No entanto, durante a última década, a China investiu pelo menos 10 bilhões de dólares em tecnologia quântica, cerca de dez vezes mais que o governo dos EUA. A China está trabalhando para construir computadores quânticos tão poderosos que possam quebrar facilmente a criptografia atual. O país também está  investindo fortemente em redes quânticas – uma forma de transmitir informações sob a forma de bits quânticos – presumivelmente na esperança de que tais redes sejam imunes à monitorização por outras agências de inteligência.

A China também está tentando ativamente alcançar os Estados Unidos em biologia sintética. Os cientistas nesta área estão trabalhando numa série de novos desenvolvimentos biológicos, incluindo substitutos de carne à base de plantas. Nesta última quarta-feira (01/05/2024), o governador da Flórida assinou uma lei que proíbe e criminaliza carne fabricada em laboratório por ainda não ser seguro o suficiente para a sua comercialização.

Quando se trata de semicondutores, a China também tem planos ambiciosos. O governo chinês está financiando esforços sem precedentes para se tornar líder na fabricação de semicondutores até 2030. 

Porém, os Estados Unidos continuam a superar a China no design de semicondutores, assim como Taiwan e a Coreia do Sul, alinhados aos EUA. Em outubro de 2022, a administração Biden tomou a importante medida de impedir que as principais empresas dos EUA que produzem chips de computador de IA vendessem à China como parte de um pacote de restrições divulgado pelo Departamento de Comércio. No entanto, as empresas chinesas controlam 85% do processamento dos minerais de terras raras utilizados nesses chips e noutros produtos eletrônicos críticos, oferecendo um importante ponto de vantagem sobre os seus concorrentes. 

Contudo, a luta é ferrenha. No último dia 26/04/2024, a University of Washington anunciou em um artigo na Nature Sustainability, a produção de circuitos impressos a partir de um material desenvolvido que se transforma em uma espécie de gel ao se degradar, reduzindo os danos ao meio ambiente. A grande problemática ambiental do circuito impresso é que seu fim costuma ser no aterro sanitário, com seus produtos químicos infiltrados no meio ambiente, ou pior ainda: a queima para extração de ouro e cobre. que pode ser tóxica para o ambiente e para as pessoas em si.

Durante muito tempo, o trio governo, indústria e academia foi a principal fonte de inovação americana. Esta colaboração impulsionou muitos avanços tecnológicos, desde o pouso na Lua até a Internet. Mas com o fim da Guerra Fria, o governo dos EUA tornou-se avesso ao financiamento à pesquisa aplicada e até reduziu o montante dedicado à pesquisa fundamental. Contudo, os gastos privados dispararam ao longo do último meio século. A ascensão do capital de risco ajudou a acelerar a adoção e a comercialização, mas pouco fez para resolver problemas científicos de ordem superior. O Silicon Valley juntamente com outros atores críticos nos Estados Unidos continuam incentivando a inovação. A história de sucesso americana baseia-se numa combinação potente de ambição inspiradora, regimes jurídicos e fiscais favoráveis ​​às startups e uma cultura de abertura que permite aos empreendedores e pesquisadores interagirem e melhorarem novas ideias.

A concorrência com a China exige uma reenergização da interação entre o governo, o setor privado e o meio acadêmico. Tal como a Guerra Fria impôs a criação do Conselho de Segurança Nacional, a atual concorrência alimentada pela tecnologia deveria estimular uma reorganização das estruturas políticas existentes. Num sinal promissor, o Congresso americano parece ter reconhecido a necessidade de um apoio decisivo. Em 2022, numa votação bipartidária, aprovou a Lei CHIPS e Ciência, que destina 200 bilhões de dólares em financiamento para P&D científico ao longo dos próximos dez anos e cada nova tecnologia, desde a IA à computação quântica e à biologia sintética, deve ser perseguida com o objetivo claro de comercialização.

Na disputa do século – a rivalidade dos EUA com a China – o fator decisivo será o poder de inovação. Os avanços tecnológicos nos próximos cinco a dez anos determinarão qual país ganhará vantagem nesta competição que moldará o mundo.

O velho mantra de Silicon Valley aplica-se não apenas à indústria, mas também à geopolítica: inove ou morra.

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