Jornalistas que investigam documentos da rede social têm sido descredibilizados por mídia oficializada, escreve Paula Schmitt.
De acordo com informações publicadas no Twitter pelo próprio Elon Musk, novo proprietário do Twitter, e por jornalistas como Matt Taibbi, Bari Weiss, Michael Shellenberger e Lee Fang, a censura beneficiou ao menos 2 grupos que politicamente se entrelaçam e formam uma massa uniforme de ideologia inexplicável: esquerdistas que defendem a ideologia identitária financiada pelos maiores monopólios e bancos de investimento; e o consenso pseudocientífico financiado pela indústria farmacêutica que negou o tratamento da covid-19 com medicamentos baratos, seguros e sem patente, enquanto promovia uma vacina que não impede o contágio.
Uma frase repetida nesta pandemia sintetiza o que a investigação do Twitter vem confirmando: “97% dos cientistas concordam com quem financia os seus estudos; os outros 3% foram censurados”. Assim foi criado o “consenso” em torno do lockdown e da vacina-que-não-impede-o-contágio: com censura aplicada por um consórcio entre o grande capital e o governo. No caso do Twitter, revelações mostram influência direta e documentada do FBI e até do Pentágono na censura e na criação de psy-ops ou operações psicológicas.
Esse amálgama entre poder público e privado está se tornando indissociável, e cada vez mais se assemelha a uma distopia tecnofascista. No Brasil, por exemplo, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contratou uma empresa privada para “monitoramento on-line e em tempo real da presença digital do TSE e de temas de interesse da Justiça Eleitoral em redes sociais”. A empresa também entrega “alertas em tempo real, por app, e-mail, SMS ou WhatsApp, e relatórios analíticos sobre a ação estratégica para a atuação nas redes sociais”.
Essa contratação foi realizada pouco antes de o mesmo TSE publicar uma lista de “expressões racistas”, uma ode à estupidez que me envergonha reproduzir aqui, mas que temo poderá ser usada para perseguir inimigos da casa e do poder-du-jour. A lista de palavras a serem evitadas, que podem virar crime num futuro de trevas cada vez mais plausível, inclui coisas como “meia-tigela, cabelo ruim, chuta que é macumba, denegrir, esclarecer, feito nas coxas” e outras aberrações intelectuais que revelam mais sobre a mente de quem fez a lista do que de quem diz as palavras.
Me envergonha, é claro, morar num país com uma corte de meia-tigela que denigre a tradição dos grandes juristas do país, ainda que nossas cortes tenham sido a casa judicial de um “negro de primeira linha”, como disse o ministro Roberto Barroso ao se referir ao nosso juiz Joaquim Barbosa.
A saber: não vejo nada criminoso com a fala do ministro Barroso, tampouco maldade. Acredito que ele teve boa intenção, e não sei se aquilo escapou por preconceito, falta de tato, consumo de álcool ou qualquer outra possibilidade que não me cabe analisar ou especular porque tenho mais o que fazer. Essa é uma das vergonhas da nossa era: até recentemente, psicólogos tinham que passar anos analisando uma pessoa, examinando os escaninhos mais recônditos da sua mente para poder dar uma opinião sobre sua personalidade. Hoje, basta uma palavra para abrir o alçapão da condenação peremptória, desonesta e incivilizada.
Barroso pediu desculpas, ainda que num mundo com a devida sanidade e racionalismo ninguém lhe pudesse ter exigido isso além do próprio ofendido, se de fato se sentisse como tal. Mas junte as duas coisas –uma lista de palavras proibidas, e uma empresa paga para achar postagens na internet– e temos um cenário preparado para o tecnofascismo que mencionei acima. Em breve viveremos todos num circo gigante de surrealismo inominável onde só quem se faz de palhaço e jura que 2+2 não é 4 vai conseguir escapar da bota da lei.
Voltando ao Twitter Files, segundo as revelações iniciais, o Twitter deliberadamente baniu da plataforma notícias que diziam respeito ao conteúdo encontrado no laptop de Hunter Biden, filho do então candidato a Presidência dos EUA, a 3 semanas das eleições presidenciais. Diante das revelações, a desculpa oficial foi a de que o Twitter tem restrições –possivelmente corretas, a meu ver– sobre a divulgação de material hackeado. Mas o laptop de Hunter Biden não foi hackeado. Ele foi deixado, ou esquecido, em uma loja de manutenção de computadores, e depois de meses sem ter sido coletado, ele foi entregue pelo dono da loja ao FBI –o mesmo FBI que insistiu que as reportagens sobre o assunto eram propaganda russa.
Quem acha que o laptop tinha apenas imagens salaciosas do 1º filho fumando craque e tendo relações sexuais está enganado. De fato, essas imagens existem, mas a parte mais interessante é sobre as relações do seu pai, Joe, com a Ucrânia. Segundo esta reportagem do USA Today (e várias outras), Biden teria condicionado a entrega de US$ 1 bilhão à demissão de um procurador no país.
Mark Zuckerberg revelou em agosto deste ano –mais de 2 anos depois das eleições norte-americanas– que o Facebook foi instado pelo FBI a diminuir o alcance de todas as notícias referentes ao laptop de Hunter Biden antes das eleições que deram a vitória a seu pai. Em entrevista a Joe Rogan, que tem uma das maiores audiências do mundo, Zuckerberg revelou que “o FBI veio até a gente –até algumas pessoas da nossa equipe– e disse tipo ‘oi, só pra vocês saberem, fiquem alertas. A gente acha que teve muita propaganda russa nas eleições de 2016, e a gente tem informação que basicamente vai haver liberação de material tipo aquele [de 2016]”.
A Rússia de fato trabalha com psy-ops, manipulação de massas e desinformação, e eu mesma escrevi sobre isso quando resolvi descumprir meu acordo contratual de não-revelação (NDA, ou non-disclosure agreement), para poder contar minha experiência trabalhando para a produtora da TV russa RT em Berlim.
O fato de a Rússia ser frequentemente culpada de manipulação não deveria permitir sua condenação no atacado. Cada caso é um caso, e a falsa atribuição de culpa sobre um inocente se transforma na absolvição injusta de um culpado. A Rússia vem negando participação no caso do laptop, e é possível, provável até, que esteja dizendo a verdade (quem quiser saber mais, vale ler sobre o Dossier Steele, um relatório que associa a eleição de Trump a uma suposta ajuda da Rússia, escrito por um ex-agente secreto do serviço de inteligência do Reino Unido MI-6).
A censura de reportagens sobre o laptop de Hunter Biden, mesmo imoral, consegue ao menos exalar um cheiro de seriedade. Mas grande parte das postagens censuradas mostram que o dinheiro público em mãos privadas está sendo usado para a perseguição descabida, idiotizada e arbitrária de famosos e até desconhecidos, gente com 12 seguidores no Twitter. Tudo isso num país que tem um dos índices de criminalidade mais altos do mundo. Outro detalhe aparentemente menor, mas bastante emblemático, comprova que somos personagens involuntários num roteiro mal escrito, onde os personagens principais são os mais patéticos. Elvis Chan, um agente do FBI em contato direto com executivos do Twitter, fez questão de deixar claro nas suas comunicações oficiais uma informação que ele considerou imprescindível: seus pronomes eram “ele, dele”.
Taibbi é autor de uma reportagem icônica que causou mais danos à imagem do mercado financeiro norte-americano do que quase todo panfleto socialista. No artigo sobre a grande bolha financeira que explodiu e provocou uma das maiores recessões nos EUA, Taibbi se refere ao banco Goldman Sachs como “uma lula-vampira-do-inferno agarrada no rosto da humanidade, incansavelmente enfiando seu funil de sangue em tudo que cheire a dinheiro”.
Outro que está tendo sua reputação manchada é Lee Fang, jornalista investigativo daqueles que já quase não existem mais, autor de reportagens excruciantemente bem investigadas que tratam da interseção entre o poder do grande capital e sua influência em guerras, políticas públicas e na decimação da vida natural, como a extinção de abelhas e borboletas com o uso de um herbicida da Monsanto (agora Bayer). Hoje, esses jornalistas são desmerecidos com rasteiras semânticas tipo “blogueiro” e “de direita” –palavras que funcionam como choque elétrico em homens-ratos adestrados, treinados o suficiente pra entender que 2 + 2 nem sempre é 4.
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