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06 agosto 2022

UMA NOVA CORRIDA AO NOSSO SATÉLITE

A minha geração, e as que me antecederam também, começaram a ter maior interesse pela Lua motivadas pela disputa espacial ocorrida entre os EUA e a URSS, especialmente durante o período da guerra fria. Até então, a contemplávamos nas noites de Lua Cheia, líamos suas fábulas e tínhamos que decorar, à noite, algumas páginas do livro de geografia para arguições em sala de aula nas primeiras horas do dia seguinte.

Essa temporada ganhou alegria após a subida ao espaço de Gagarin, em 12 de abril de 1961, com repercussão imediata para o carnaval. O pernambucano Gildo Branco aproveitou o feito e compôs um frevo que foi um sucesso. A banda o tocava e todos se dirigiam ao salão para cantar e dançar. Recorde-o a seguir. Pode dançar também.


Agora estamos assistindo ao início de uma corrida ao nosso satélite em busca de recursos e possibilidades que poderão ajudar os terráqueos daqui a algumas décadas. 

Como a própria Lua, essa situação tem um lado escuro. A ocupação econômica do satélite pode multiplicar as tensões que se agravam a cada dia mais na Terra.

A Rússia está praticamente fora dessa corrida. Os EUA criaram um acordo internacional de exploração da Lua, chamado Projeto Artemis, do qual o Brasil faz parte. A China de Xi-Jinping age de maneira cada vez mais agressiva e isolada. 

Neste final de semana, a revista Oeste, em artigo de Dagomir Marquezi, abordou o assunto sob três ângulos. Leia-os a seguir.

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O que existe na Lua para ser explorado?

São basicamente três os focos de interesse:

Água — H2O é um elemento abundante na Terra. Mas transportar água para a Lua é uma operação extremamente custosa. O Projeto Sofia (Observatório Infravermelho Estratosférico de Astronomia, da Nasa) descobriu que lá existe muito mais água do que se imaginava. Especialmente na região ao redor do polo sul do satélite. A água é fundamental para o estabelecimento de colônias permanentes na Lua. Não só para o consumo humano, como para o resfriamento e o abastecimento dos veículos de transporte. É importante lembrar que a Lua deverá ser o trampolim para a conquista de Marte.

Minerais raros — São elementos difíceis de encontrar na Terra (como lantânio, cério, praseodímio, neodímio) e fundamentais para substituir a economia de combustíveis fósseis. Veículos elétricos, torres eólicas e painéis solares precisam desses minerais. Hoje eles são encontrados especialmente na China e nos EUA. Além de raros, sua extração costuma causar estrago ambiental. Importar minerais raros da Lua pode ser uma solução lógica.

Hélio-3 — É um mineral tão raro no nosso planeta que o quilo chega a ser vendido por US$ 1,4 milhão. Mas é abundante na Lua, onde se forma através da radiação solar, que penetra no solo sem a proteção da atmosfera terrestre. O hélio-3 vai ser muito útil quando forem solucionados os últimos entraves tecnológicos para o funcionamento de usinas de fusão nuclear. A fusão nuclear pode se transformar numa fonte de energia limpa, barata e praticamente perpétua. Para atingir esse nirvana energético, precisaremos do hélio-3 em grandes quantidades. Aos preços atuais, calcula-se que suas reservas na Lua valham um total de US$ 1,5 quatrilhão.

Além desse imenso potencial econômico de exploração mineral, a Lua poderá se tornar um resort para bilionários, o destino para quem já viu de tudo e quer passar uma temporada inesquecível vendo o nascer e o pôr da Terra. Mas para que tudo isso se torne realidade é preciso resolver algumas questões. A primeira delas: 

A quem pertence a Lua

Até agora valeu o Tratado do Espaço Exterior, assinado na ONU por cem países em 1967. Esse tratado parte de três princípios básicos: a) o espaço exterior deverá ser livre para exploração e uso por todos os países; b) o espaço exterior não é sujeito a apropriação e propriedade de nenhum país.

É uma zona jurídica cinzenta. Regula Estados nacionais, mas não diz nada sobre a iniciativa privada. O que causa situações estranhas. Por exemplo: os Estados Unidos têm o direito de recuperar os restos das naves Apollo e trazer de volta as bandeiras norte-americanas fincadas na Lua. Mas não podem transformar as áreas de pouso num parque histórico, pois aí seria apropriação do território lunar.

Na falta de um novo acordo internacional, os EUA aprovaram, em 2015, um ato legalizando unilateralmente a mineração no espaço. Cinco anos depois, a Nasa lançou os Acordos Artemis, formalmente baseados no Tratado do Espaço Exterior de 1967. Ele já foi assinado por 19 países, o mais recente, a Arábia Saudita, no mês passado. O Brasil assinou o documento em 15 de junho de 2021. Austrália, Canadá, Itália, Japão, Luxemburgo, República da Coreia, Reino Unido, Emirados Árabes, Ucrânia, Nova Zelândia, Coreia do Sul, México, Israel, Romênia, Singapura, Colômbia e França são os outros signatários.

A Rússia, na sua rota de isolamento internacional da era Vladimir Putin, está fora do Artemis. E deixou de ser a grande potência espacial dos tempos da União Soviética. Todo o avanço tecnológico de ponta é dirigido para a produção de armas apocalípticas.

Já a China se tornou uma competidora de respeito, com tecnologia avançada e a ambição sem limites do líder máximo Xi Jinping. Foi o primeiro país a pousar um veículo no outro lado da Lua. Age isoladamente, cada vez mais distante dos acordos internacionais. Lançaram-se na corrida espacial no mesmo estilo de imperialismo tradicional com o qual estão engolindo nacos da África e da América Latina. Como bons comunistas, usam o peso da máquina estatal chinesa em cada um de seus passos. Enquanto isso, os países ocidentais privatizam boa parte de suas capacidades e recursos (SpaceX, Virgin, Blue Origin, etc.), coordenam iniciativas internacionais e conseguem soluções mais baratas e inovadoras.

Uma agenda para a Lua

O Projeto Artemis deverá centralizar as atenções nos próximos anos, mesmo porque assistiremos a suas ações ao vivo. Ele já nasce marcado pelo superficialismo “woke”, anunciando que vai colocar a primeira mulher e a primeira “pessoa de minoria étnica” logo na sua alunissagem inaugural. É uma iniciativa fútil perto da importância do que está para acontecer.

A revista BBC Science Focus publicou em abril um calendário dos próximos passos da conquista da Lua. Alguns destaques: 

Agosto 2022 — A Coreia do Sul coloca o Pathfinder na órbita lunar para procurar água e hélio-3. A Índia vai tentar seu primeiro pouso na superfície da Lua com o Chandrataan-3.

Setembro 2022 — A Rússia vai tentar uma homenagem ao projeto pioneiro de exploração pousando o Luna 25. O projeto já foi adiado várias vezes.

Fim de 2022 — Em colaboração com a Nasa, serão lançadas as primeiras naves particulares de transporte para a Lua, os IM-1 e IM-2. 

2023 — O SpaceX Starship deverá levar o primeiro grupo de turistas para dar uma volta ao redor da Lua e retornar, graças a uma iniciativa do bilionário japonês Yusaku Maezawa. 

Novembro 2023 — A Nasa lança a Viper, que deverá procurar gelo ao redor do polo sul da Lua.

Fim 2023 — Austrália e Holanda lançam naves de apoio ao Projeto Artemis.

2024 — Missão conjunta China–Rússia, com o pouso da nave Chang’e 7 e apoio do Luna 26, em busca de recursos naturais. A Blue Origin (de Jeff Bezos) pretende realizar seu primeiro pouso.

2026 — Primeiro pouso de humanos na Lua desde 1972 pelo Projeto Artemis, com a cápsula Orion. Por uma semana, dois astronautas (“uma mulher e um membro de uma minoria étnica”) deverão explorar a Cratera Shackelton, no polo sul do satélite.

2027 — Nave chinesa Chang’e 8 deve realizar a produção de objetos úteis através da impressão 3-D de materiais lunares.

2030 — Término da Estação Gateway (“Portal”), que vai abrigar astronautas por meses girando ao redor da Lua.

2035 — Astronautas começarão a viver por longos períodos em estações de pesquisa no polo sul da Lua. As instalações serão parcialmente pagas com o dinheiro arrecadado dos turistas pioneiros do satélite.

2040 — Crescimento da indústria lunar, com a extração do hélio-3 para abastecer a crescente instalação de reatores de fusão nuclear na Terra.

2050 — A Lua se tornará um polo de indústria pesada e uma base de lançamentos de tripulações para viagens a Marte.

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