A palavra golpe voltou a ser usada com bastante frequência por aqui. A normalidade no Brasil parece ser uma história de golpes, revoluções, revoltas e rebeliões que nos mostra um país marcado por diversas lutas sociais, políticas e econômicas desde o período colonial até os dias atuais.
Essas manifestações refletem conflitos de interesses entre diferentes grupos sociais, insatisfações populares, disputas pelo poder e reações a contextos de crise. A “Proclamação da República”, por exemplo, foi um golpe de Estado. O primeiro presidente, Deodoro, desrespeitou a Constituição, fechou o Congresso e não completou o mandato. Seu vice, Floriano, assumiu o cargo, embora a Constituição determinasse a realização de novas eleições. Floriano reprimiu revoltas com mão de ferro, aplicando punições proibidas pela Constituição. Os livros de história nos fornecem um panorama cronológico e temático resumido da seguinte forma:
🏴 Período Colonial (1500–1822)
- Revoltas Nativistas (séculos XVII–XVIII): Contra abusos da Coroa portuguesa.
- Revolta de Beckman (1684, MA): Contra o monopólio da Companhia de Comércio do Maranhão.
- Guerra dos Emboabas (1707–1709, MG): Disputa por controle das minas de ouro.
- Guerra dos Mascates (1710, PE): Conflito entre senhores de engenho (Olinda) e comerciantes portugueses (Recife).
- Revoltas Separatistas:
- Inconfidência Mineira (1789): Inspirada pelo Iluminismo e pela independência dos EUA.
- Conjuração Baiana (1798): Revolta popular, com forte participação de negros e pobres.
👑 Período Imperial (1822–1889)
- Independência e consolidação do Império:
- Confederação do Equador (1824, NE): Movimento republicano contra o autoritarismo de D. Pedro I.
- Guerra da Cisplatina (1825–1828): Tentativa fracassada de manter a Província Cisplatina (hoje Uruguai).
- Revoltas Regenciais (1831–1840): Período de instabilidade.
- Cabanagem (1835–1840, PA): Revolta popular com grande violência.
- Balaiada (1838–1841, MA): Movida por vaqueiros, escravos e artesãos.
- Sabinada (1837–1838, BA): Rejeição ao governo central.
- Revolução Farroupilha (1835–1845, RS): Movimento separatista com proclamação da República Rio-Grandense.
🎖️ República Velha e Era Vargas (1889–1945)
- Golpe Republicano (1889): Fim da monarquia e proclamação da República por militares.
- Revoltas populares:
- Revolta da Armada (1893–1894): Contra o governo de Floriano Peixoto.
- Guerra de Canudos (1896–1897, BA): Extermínio de comunidade sertaneja liderada por Antônio Conselheiro.
- Revolta da Vacina (1904, RJ): Contra a vacinação obrigatória e medidas higienistas autoritárias.
- Guerra do Contestado (1912–1916, SC/PR): Conflito por terras e contra exploração de empresas estrangeiras.
- Movimentos Tenentistas (1922–1927): Jovens oficiais do Exército exigindo reformas políticas.
- Revolta do Forte de Copacabana (1922).
- Coluna Prestes (1925–1927): Longa marcha armada pelo interior do Brasil.
- Revolução de 1930: Golpe que pôs fim à República Velha e levou Getúlio Vargas ao poder.
- Intentona Comunista (1935): Tentativa de golpe de esquerda, reprimida por Vargas.
- Golpe do Estado Novo (1937): Vargas instaura uma ditadura.
🪖 Contrarrevolução militar (1964–1985)
- 31 de março de 1964: Militares depõem João Goulart e instauram uma ditadura de 21 anos.
- Resistência à ditadura:
- Guerrilhas urbanas e rurais, como a do Araguaia (1972–1974).
- Movimentos estudantis, artísticos e sindicais contra o regime.
- Diretas Já (1984): Pressão por eleições diretas na redemocratização.
🗳️ Período Democrático (1985–presente)
- Impeachments:
- Fernando Collor (1992): Acusado de corrupção, sofreu impeachment.
- Dilma Rousseff (2016): Impedida sob alegações fiscais, com grande controvérsia política.
Contudo, sem ter aprendido com a sua própria história, nos dias atuais o Brasil está convivendo sem a harmonia entre os Poderes da República prevista na sua Constituição de 1988. A cada dia que se passa, aumenta a interferência do Poder Judiciário, através do STF, nos demais poderes corroendo fortemente essa harmonia. O Brasil passou a conviver com censura, buscas domiciliares, prisão e morte de "subversivos", controle de redes sociais, exilados políticos e por aí vai, práticas estas só encontradas em regimes ditatoriais implantados através de golpes e/ou similares. O Brasil deu marcha à ré. Passou a usar os instrumentos empregados pelos modelos de governos comunistas, fascistas e nazistas.
Isto sabendo-se que as barreiras democráticas existentes no País, e que precisam ser mantidas, criam espaço para que as pessoas se manifestem, deliberem, se organizem e litiguem em resposta a ações questionáveis dos Poderes da República, permitindo, inclusive, que se viabilizem ações cívicas para promover o interesse comum do Brasil em uma democracia de direito. É uma missão digna de qualquer cidadão consciente, de qualquer partido ou convicção política.
A última coisa que os brasileiros precisam é de um confronto amargo, rancoroso e, sobretudo, inútil como é o principal debate político que existe hoje no Congresso Nacional. É um clássico em matéria de situação perde-perde. E, pior que tudo, é um problema criado integralmente pelo STF. "Se não fossem as neuroses cada vez mais estridentes da nossa “suprema corte”, como diz Lula, absolutamente nada disso estaria acontecendo", afirmou recentemente J. R. Guzzo em um de seus artigos.