As últimas oito décadas representaram o período mais longo sem guerras entre grandes potências desde o Império Romano. Essa era anômala de paz prolongada sucedeu duas guerras catastróficas, cada uma tão mais destrutiva que os conflitos anteriores que os historiadores consideraram necessário criar uma categoria inteiramente nova para descrevê-las: as guerras mundiais. Se o restante do século XX tivesse sido tão violento quanto os dois milênios precedentes, a vida de quase todos os que estão vivos hoje teria sido radicalmente diferente.
UMA CONQUISTA MILAGROSA
Faz 80 anos desde a última guerra convencional entre grandes potências. Isso permitiu que a população mundial triplicasse, a expectativa de vida dobrasse e o PIB global crescesse 15 vezes. Se, em vez disso, os estadistas do pós-Segunda Guerra Mundial tivessem se contentado com o curso normal da história, uma terceira guerra mundial teria ocorrido. Mas teria sido travada com armas nucleares. Poderia ter sido a guerra para acabar com todas as guerras.
Também se passaram 80 anos desde que armas nucleares foram usadas pela última vez em guerra. O mundo já sobreviveu a vários momentos de tensão — o mais perigoso deles foi a crise dos mísseis de Cuba, quando os Estados Unidos confrontaram a União Soviética por causa dos mísseis com ogivas nucleares em Cuba e durante a qual o presidente John F. Kennedy estimou que a probabilidade de uma guerra nuclear era de uma em três a uma em duas.
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Moscou, 30 de abril de 1963 Leonid Brejnev, Fidel Castro e Nikita Khruschov |
Em plena Guerra Fria, Fidel Castro visitou Moscou como o novo rosto da revolução no hemisfério ocidental. Ao lado de Nikita Khruschov, líder soviético, e Leonid Brejnev, então uma figura em ascensão dentro do Partido Comunista, o encontro simbolizou a consolidação da aliança entre Cuba e a União Soviética.
Em Moscou, Castro foi recebido como herói — desfilou entre multidões, discursou sobre solidariedade socialista e reafirmou o compromisso de Cuba com o bloco comunista.
A fotografia de 30 de abril de 1963 imortaliza um momento de virada histórica: a transição de Cuba de uma jovem revolução isolada para um pilar estratégico da política soviética nas Américas — e o início de uma parceria que marcaria o equilíbrio de poder mundial nas décadas seguintes.
Nas décadas de 1950 e 1960, os líderes mundiais esperavam que os países construíssem armas nucleares à medida que adquirissem a capacidade técnica para tal. Kennedy previu que haveria de 25 a 30 países com armas nucleares na década de 1970, o que o levou a promover uma das iniciativas mais ousadas da política externa americana. Hoje, 185 nações assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear, renunciando às armas nucleares. Notavelmente, apenas nove países possuem arsenais nucleares.
Assim como os 80 anos de paz e a ausência de guerras nucleares, o regime de não proliferação — do qual o tratado se tornou a peça central — também é uma conquista frágil. Mais de 100 países agora possuem a base econômica e técnica para construir armas nucleares. Sua escolha de depender das garantias de segurança de outros é geoestrategicamente e historicamente antinatural. De fato, uma pesquisa do Instituto Asan de 2025 constatou que três quartos dos sul-coreanos agora são favoráveis à aquisição de seu próprio arsenal nuclear para se protegerem das ameaças da Coreia do Norte. E se Putin conseguir avançar seus objetivos de guerra ordenando um ataque nuclear tático contra a Ucrânia, outros governos provavelmente concluirão que precisam de seus próprios escudos nucleares.
PERIGOS À VISTA
No primeiro ano da guerra em grande escala da Rússia contra a Ucrânia, que começou em 2022, Vladimir Putin ameaçou seriamente realizar ataques nucleares táticos. De acordo com uma reportagem do The New York Times, a CIA estimou que a probabilidade de um ataque nuclear russo era de 50% caso a contraofensiva ucraniana estivesse prestes a derrotar as forças russas em retirada. Em resposta, o diretor da CIA, Bill Burns, foi enviado a Moscou para transmitir as preocupações americanas.
Antes de sua morte, em 2023, Henry Kissinger repetidamente lembrou a seus colegas que acreditava que essas oito décadas de paz entre grandes potências dificilmente chegariam a um século inteiro. Entre os fatores que a história demonstra contribuírem para o fim violento de um grande ciclo geopolítico, cinco se destacam e podem pôr fim à longa paz em curso.
No topo da lista está a amnésia. Gerações sucessivas de adultos americanos, incluindo todos os oficiais militares em serviço, não têm memória pessoal dos custos terríveis de uma guerra entre grandes potências. Poucas pessoas reconhecem que, antes desta era excepcional de paz, uma guerra a cada uma ou duas gerações era a norma. Muitos hoje acreditam que uma guerra entre grandes potências é inconcebível — sem perceber que isso não reflete o que é possível no mundo, mas sim os limites do que suas mentes conseguem conceber.
A existência de concorrentes em ascensão também ameaça a paz. A ascensão meteórica da China desafia a supremacia dos EUA, ecoando o tipo de rivalidade acirrada entre uma potência estabelecida e uma emergente que o historiador grego Tucídides alertou que levaria a conflitos. No início do século XXI, os Estados Unidos não se preocupavam muito em competir com a China, que estava muito atrás em termos econômicos, militares e tecnológicos. Agora, a China alcançou ou até mesmo ultrapassou os Estados Unidos em diversas áreas, incluindo comércio, manufatura e tecnologias verdes, e está avançando rapidamente em outras. Ao mesmo tempo, Putin, que preside um país em declínio, mas ainda comanda um arsenal nuclear capaz de destruir os Estados Unidos, demonstrou sua disposição de usar a guerra para restaurar um pouco da grandeza russa. Com as crescentes ameaças russas e o declínio do apoio da administração Trump à OTAN, a Europa luta para lidar com os graves desafios de segurança nas próximas décadas.
A equalização econômica global aumenta ainda mais a possibilidade de guerra. A predominância econômica americana diminuiu à medida que outros países se recuperaram da devastação das duas guerras mundiais. Ao final da Segunda Guerra Mundial, quando a maioria das outras grandes economias havia sido destruída, os Estados Unidos detinham metade do PIB mundial; com o fim da Guerra Fria, a participação americana havia caído para um quarto. Hoje, os Estados Unidos detêm apenas um sétimo. Com essa mudança no equilíbrio do poder econômico nacional, um mundo multipolar está emergindo, no qual múltiplos países independentes podem agir dentro de suas esferas de influência sem pedir permissão ou temer punições. Essa erosão se acelera quando a potência dominante se excede financeiramente, como argumenta o renomado gestor de fundos de hedge Ray Dalio, que afirma que os Estados Unidos estão fazendo atualmente.
Quando uma potência estabelecida se sobrecarrega militarmente — especialmente em conflitos que ocupam uma posição baixa na lista de seus interesses vitais — sua capacidade de dissuadir ou se defender contra potências emergentes enfraquece. O antigo filósofo chinês Sun Tzu escreveu: “Quando o exército se envolve em conflitos prolongados, os recursos do Estado se tornam insuficientes”, o que poderia descrever a custosa expansão das operações das forças americanas no Iraque e no Afeganistão e a incapacidade dos militares de se concentrarem em desafios mais urgentes. A concentração excessiva de recursos nesses conflitos prolongados desviou a atenção dos Estados Unidos da melhoria de suas capacidades de defesa contra adversários cada vez mais sofisticados e perigosos. Ainda mais preocupante é a extensão em que o aparato de segurança nacional dos EUA caiu em um ciclo vicioso, apoiado pelo Congresso e pela indústria de defesa, no qual exige mais recursos — mais financiamento — em vez de buscar maneiras mais estratégicas de lidar com graves ameaças aos seus interesses nacionais.
Por fim, e o mais preocupante, a tendência de uma potência estabelecida mergulhar em profundas divisões políticas internas paralisa sua capacidade de agir de forma coerente no cenário mundial. Isso é particularmente problemático quando os líderes oscilam entre posições opostas sobre se e como o país deve manter uma ordem global bem-sucedida. É o que está acontecendo hoje: uma administração aparentemente bem-intencionada em Washington está subvertendo quase todas as relações, instituições e processos internacionais existentes para impor sua visão de como a ordem internacional deve mudar.
Os ciclos geopolíticos de longo prazo não duram para sempre. A questão mais importante que os americanos e a política dividida dos EUA enfrentam é se a nação conseguirá se organizar para reconhecer os perigos do momento, encontrar a sabedoria necessária para navegar por ele e tomar medidas coletivas para prevenir — ou, mais precisamente, adiar — a próxima convulsão global.