Leonardo Lopes ( @leonardo1opes) https://www.leonardolopes.com.br
Empreendedor, formado em Sistemas para Web, História e com MBA em Gestão de Negócios. Sou apaixonado por viagens, História e pessoas. Uso este espaço para compartilhar algumas experiências, fatos e pensamentos.
Leonardo esteve em Pripyat, Ucrânia, cidade onde moravam os trabalhadores da usina de Chernobyl e mostra cenas que poucos puderam ver até hoje. Ele assumiu o risco de enfrentar a radiação e conta tudo em uma thread em seu Twitter (@leonardo1opes), no qual videos também podem ser vistos. Aqui, neste texto, apenas as imagens estão reproduzidas.
Abril de 1986 - Explode o reator 4 da Usina Nuclear de Chernobyl e 187 cidades, vilas e povoados precisam ser evacuados, entre elas a mais famosa: PRIPYAT, que se encontra até hoje inabitável por conta dos altos índices de radiação.
É comum entre os regimes comunistas criar uma cidade completa em torno de uma grande fábrica ou usina, e neste ponto, Pripyat não foi diferente. Foi fundada em 4 de fevereiro de 1970 mas apenas em 1979 foi reconhecida oficialmente como cidade. Mas Pripyat tinha algo mais.
Pripyat não era uma mera cidadezinha da Ucrânia, ela era uma cidade-modelo do regime soviético e foi construída para abrigar funcionários de Chernobyl, e dada a relevância da usina, seus habitantes eram importantes engenheiros, cientistas, técnicos e militares.
A cidade tinha cerca de 50 mil habitantes e dispunha de uma ótima infraestrutura. Escolas, cinema, lojas, teatro, restaurantes, hospital e até um parque de diversões que seria inaugurado em 1 de maio em comemoração ao Dia do Trabalho, importante feriado p/ os soviéticos.
Planejada para receber mais de 100 mil habitantes, Pripyat crescia rapidamente. Os soviéticos incentivavam a população a terem muitos filhos. A maternidade do hospital havia se preparado para a chegada de muitos bebês. Morar em Pripyat era um privilégio, coisa de elite.
A propaganda estatal dizia que a energia nuclear era segura, e desde sua fundação, técnicos mediam a radiação do solo, água e vegetação periodicamente. Os habitantes sabiam do risco de viver ali, mas estavam tranquilos, vivendo suas vidas em plenitude. Pelo menos até 1986.
À 01:28 da madrugada de 26 de Abril de 1986 tudo mudou. Neste momento houve a primeira explosão em Chernobyl. Às 02:15, oficiais soviéticos mandaram fechar a estrada de Pripyat, proibindo entrar e sair da cidade. A população não sabia de nada, e seria assim por muitas horas.
Chernobyl era administrada pelos soviéticos e o governo ucraniano não recebia nenhuma informação de Moscou. Toda informação que era trocada entre os técnicos de Chernobyl e os oficiais russos era cheia de manipulação, ocultação e desinformação. Todo mundo estava perdido.
Às 10:00 helicópteros já sobrevoavam a usina para tentar conter a explosão, enquanto oficiais do governo continuavam a negar a gravidade do desastre, parte por não terem muitos dados, e parte por não quererem assumir uma terrível falha num regime que se vendia perfeito.
Gorbachev, Líder da URSS à época, pediu informações a um oficial local para saber como estava a cidade de Pripyat, e foi informado de que tudo estava tranquilo, com pessoas passeando, casando, pescando e vivendo suas vidas normalmente. Claro, ninguém sabia de nada!
Na tarde do dia 26, membros da Comissão Científica de Chernobyl foram à Pripyat p/ avaliar os impactos do desastre. Os resultados das medições foram tão absurdos q acharam que os aparelhos estavam com defeito. Estava mais de 15 mil vezes acima do nível aceitável de radiação.
Apenas no dia 27 de Abril, às 11:00 da manhã os ônibus começaram a chegar para a evacuação que havia sido agendada para às 14:00 daquele dia. Todo cidadão foi orientado a pegar apenas seus documentos, um lanche e se posicionar à frente do prédio onde morava.
Para distrair a população, o parque de diversões, que seria inaugurado alguns 5 dias depois, foi liberado para uso. A icônica roda gigante sequer foi utilizada pois não estava ainda totalmente finalizada. O principal cartão postal de Pripyat nunca foi sequer utilizado.
Às 17:30, ou seja, em 3 horas e meia, cerca de 53 mil pessoas já haviam sido evacuadas em mais de mil ônibus que vieram de Kiev e de outras cidades próximas. Este dia ficou conhecido como “O dia sem ônibus”, pois todos os disponíveis foram encaminhados para Pripyat.
Ao final da tarde do dia 27 de Abril, Pripyat já era uma cidade fantasma. Só circulavam militares e alguns cientistas que ficaram no hotel da cidade onde se reuniam para planejar suas ações. Ao que parece, nem eles tinham total ciência do risco que estavam correndo ali.
Com a promessa de que poderiam voltar depois de 3 dias, a população atendeu a orientação e deixou tudo para trás. Suas casas ficaram intactas, com todos os seus bens, roupas, fotos, alimentos, brinquedos, tudo. Toda uma vida, toda uma história, ficou lá para sempre.
Mas não apenas as casas foram deixadas intactas. Hospitais foram abandonados com todos os suprimentos e equipamentos, as escolas com todos os materiais, livros e afins. Os supermercados com todos os mantimentos. Carros, bicicletas e até animais de estimação ficaram para trás.
Com o tempo muita coisa foi roubada, mesmo com altos índices de radiação. Pessoas se arriscaram p/ pegar o que achavam de valioso na cidade quando perceberam que ninguém iria mais voltar. Mesmo assim, ainda é possível sentir um pouco de como era a vida ali antes da evacuação.
Era muito interessante parar em frente de um edifício abandonado, tomado por mato e até árvores, e ver uma foto daquele mesmo lugar, do mesmo ângulo, pouco antes da evacuação. Só assim era possível ter uma dimensão de onde estávamos e o que estávamos de fato vendo.
Uma curiosidade é que os cartazes e materiais de propaganda do regime soviético que antes do acidente estavam todos espalhados pela cidade, foram todos retirados e guardados em um depósito e se encontram lá ainda até hoje. Parece que isso ninguém quis roubar...rs.
A partir de 2011 os níveis de radiação da Zona de Exclusão de Chernobyl, área de 30 km de raio em torno da usina, foi considerado razoavelmente aceitável, como em Pripyat, sendo assim liberada para receber turistas.
Estas visitas são permitidas apenas para poucas agências e guias credenciados que são treinados pelos militares e passam por constantes avaliações médicas. Entrar na Zona de Exclusão, que contempla Pripyat, sem autorização é crime e dá cadeia.
Para o turista, há uma série de regras, como não tocar em nada, passar por processos de descontaminação, não beber água nem comer ao ar livre e assinar um termo de consentimento onde cita explicitamente os danos que se pode sofrer, desde que não siga as regras, claro.
O local ainda reserva muitos pontos onde a radiação pode ser medida em níveis bem elevados. Nesta minha medição, por exemplo, a radiação normal p/ esta situação seria algo em torno de 0.15 uSv/h, mas o contador geiger acusou mais de 33 uSv/h! Cerca de 220 vezes acima do normal.
Não parece haver um consenso sobre as estimativas de quando Pripyat voltará a ser habitável. Alguns especialistas falam em 900 anos, outros em 20 mil anos e há quem projete 600 mil anos para Pripyat poder voltar a receber residentes. Se é que alguém vai querer morar lá.
Em 4 de Fevereiro de 2020 ex-moradores de Pripyat se encontraram no parque de diversões para comemorar os 50 anos da cidade, compartilhar suas histórias e reviver um pouco do passado.
Esta é ainda uma história muito recente e que, de certa forma, ainda está sendo contada.
Em breve farei uma thread apenas sobre Chernobyl, e ainda terá outra sobre os bunkers soviéticos secretos de Kiev que eu visitei e são incríveis! Quer acompanhar? É só seguir!
Esta thread levou mais de 12 horas para ser feita, se gostou, aceito pagamento em retweet! :D