Vladimir Putin, assinou nesta quarta-feira (19/06/2024) em Pyongyang um acordo de "associação estratégica" com seu homólogo na Coreia do Norte, Kim Jong-un, no que foi a primeira visita de Putin ao país em mais de duas décadas. O documento inclui uma cláusula de "defesa mútua" em caso de agressão externa de um terceiro.
O novo pacto que substitui o tratado de amizade e assistência mútua de 1961, o tratado de relações bilaterais de 2000 e as declarações de Moscou e Pyongyang de 2000 e 2001, respectivamente.
De acordo com esse novo tratado, tanto o Governo russo como o norte-coreano terão a possibilidade de ativar mecanismos de "assistência mútua "ante possíveis agressões" contra qualquer das partes assinantes. E, neste sentido, os dirigentes citaram explicitamente as recentes declarações de diferentes líderes de Estados membros da OTAN sobre a possibilidade de permitir que a Ucrânia utilize as armas dessa Aliança em território russo. Bom, neste domingo (23/062024), o Exército Ucraniano divulgou um vídeo lançando 8 mísseis balísticos ATACMS - americanos - em direção à Crimeia.
É hora, portanto, de se recordar análises anteriores de estudiosos sobre o assunto, entre elas a que se encontra em um longo texto do pesquisador SUE MI TERRY¹, divulgado em 2021.
No texto, Terry mostra como a Coreia do Norte conseguiu ter uma bomba atômica e como se lidar com um Estado pária com armas nucleares, uma questão nunca resolvida, mas que nunca se transformou totalmente numa ameaça existencial, e que tem perseguido uma longa sucessão de administrações dos EUA. Obviamente, a referida visita de Putin põe mais lenha nessa fogueira. A sensação que prevalece hoje é de uma tensão crescente entre as grandes potências.
Terry disse que anos de esforços inconsistentes, e por vezes contraproducentes, dos EUA para conter a ameaça nuclear norte-coreana apenas a deixaram piorar, de tal forma que o atual presidente dos EUA, Joe Biden, enfrenta agora um adversário muito mais capaz em Pyongyang do que os seus antecessores alguma vez enfrentaram.
Nos 15 anos desde o primeiro teste nuclear da Coreia do Norte, o país já acumulou 60 ogivas nucleares e material suficiente para construir pelo menos seis bombas adicionais todos os anos. Mais alarmante ainda, estas armas podem agora provavelmente chegar ao território continental dos Estados Unidos. A Coreia do Norte já possui mísseis de longo alcance capazes de atingir a Costa Leste dos EUA. "O que antes era pura hipótese – um ataque nuclear norte-coreano no continente americano – está rapidamente a tornar-se uma possibilidade real."
Terry continua [ ...] "Ainda é pouco provável que a Coreia do Norte lance um ataque nuclear contra os Estados Unidos, sabendo que sofreria uma retaliação devastadora. Mas um regime norte-coreano encorajado e com capacidades nucleares crescentes poderia recorrer a comportamentos cada vez mais imprudentes, como ataques convencionais, conspirações terroristas ou ataques cibernéticos e lembra que o Japão e a Coreia do Sul, por sua vez, poderão perder a confiança no guarda-chuva nuclear dos EUA e sentir-se compelidos a utilizar as suas próprias armas nucleares, desencadeando uma corrida armamentista nuclear desestabilizadora em toda a região."
Em seguida o texto de Terry descreve (sob sua ótica), como. a Coreia venceu. E digo, eu a vitória ocorreu por apatia das demais potências, especialmente os EUA. O que deveria ter sido no início foi substituído por "colocar panos quentes", assim como tem ocorrido em situações similares com outros países, em particular com a China. Aliás, o Brasil também usou "colocar panos quentes" durante o governo Bolsonaro e estamos submetidos, atualmente, a uma ditadura.
Segundo Terry, "As aspirações nucleares da Coreia remontam à década de 1950, quando os cientistas norte-coreanos adquiriram pela primeira vez conhecimentos nucleares básicos com a ajuda soviética. Ao longo das décadas seguintes, o regime continuou a acumular tecnologias nucleares sensíveis e, na década de 1980, construiu o seu primeiro reator nuclear em Yongbyon. Em 1985, a Coreia do Norte assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, mas fê-lo sob pressão soviética e não por convicção genuína. Pouco depois, começou a reprocessar secretamente o combustível nuclear usado para extrair plutônio para utilização em armas nucleares. Anos de investigação e enriquecimento adicionais culminaram no primeiro teste nuclear do país, em Outubro de 2006. Seguiram-se mais cinco testes."
A família Kim governa o país ininterruptamente desde 1948. Os líderes em Pyongyang estão convencidos de que ninguém, nem mesmo uma superpotência como os Estados Unidos, ousaria atacar ou mesmo minar seriamente um Estado armado com a arma mais moderna.
Em meados da década de 1990, talvez tenha ocorrido a melhor oportunidade que os Estados Unidos alguma vez tiveram para desfazer permanentemente o progresso nuclear do Norte. Em 1994, os esforços de enriquecimento de Pyongyang estavam bem encaminhados e o regime preparava-se para remover várias barras de combustível nuclear do seu reator usado para pesquisa em Yongbyon. Dentro das hastes, suspeitavam os especialistas, havia plutônio para uso militar suficiente para construir meia dúzia de bombas nucleares. Apesar da intensa pressão, Pyongyang recusou-se a conceder acesso ao local a inspectores internacionais.
Washington viu o perigo – um Estado hostil poderia estar prestes a cruzar “a linha de chegada nuclear” – e contemplou seriamente uma acção militar. Num plano que chegou à mesa do presidente Bill Clinton, mísseis de cruzeiro americanos e caças stealth F-117 levariam a cabo um ataque de precisão em Yongbyon, enterrando as barras de combustível numa montanha de escombros e evitando assim que a Coreia do Norte transformasse o seu material físsil em arma. Mas enquanto Clinton ponderava as suas opções, o antigo Presidente dos EUA Jimmy Carter viajou para Pyongyang e, por sua própria iniciativa, negociou um acordo: a Coreia do Norte congelaria o seu programa de armas nucleares em troca de petróleo e assistência ao seu setor nuclear civil. Clinton concordou e, mais tarde naquele ano, assinou um acordo com o líder norte-coreano Kim Jong Il. Nos termos do acordo, a Coreia do Norte comprometeu-se a suspender os seus reatores de produção de plutónio em Yongbyon. Em troca, um consórcio liderado pelos EUA entregaria cerca de dez anos de petróleo pesado à Coreia do Norte e construiria dois reatores nucleares civis de água leve no país, entre outras concessões.
"A diplomacia de Clinton e Carter, contudo, não conseguiu controlar os norte-coreanos. Embora Pyongyang tenha congelado as suas capacidades de plutónio após o acordo de 1994, continuou secretamente a trabalhar com A. Q. Khan, o pai do programa nuclear do Paquistão, para enriquecer urânio. Quando um enviado dos EUA confrontou autoridades norte-coreanas sobre a sua fraude em Outubro de 2002, eles não se arrependeram. Em poucos meses, a Coreia do Norte expulsou inspectores internacionais e retirou-se do Tratado de Não Proliferação Nuclear, desencadeando novas tensões", relata Terry.
A mesma dinâmica caracterizou os anos Obama, em que a Coreia do Norte iniciou um segundo teste nuclear em Maio de 2009. Após vários anos de impasse, Barack Obama, chegou a um acordo com o novo líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, em 2012. Desta vez, os Estados Unidos forneceriam ajuda alimentar em troca de uma moratória sobre testes de mísseis balísticos e quaisquer atividades nucleares. Contudo, pouco depois da implementação do acordo, a Coreia do Norte lançou um satélite em órbita utilizando a mesma tecnologia que seria utilizada para disparar um míssil de longo alcance. Outro acordo fracassou. Para completar, Pyongyang declarou que as suas armas nucleares não eram uma moeda de troca e não seriam abandonadas nem mesmo por “biliões de dólares”.
De acordo com Terry, "o jogo de espera parou repentinamente quando o presidente dos EUA, Donald Trump, assumiu o cargo em 2017. Deixando de lado a “paciência estratégica” em favor da “pressão máxima”, Trump dobrou as sanções e autorizou o Departamento do Tesouro dos EUA a colocar na lista negra qualquer empresa ou indivíduo estrangeiro. que facilitou o comércio com a Coreia do Norte. A sua administração também convenceu o Conselho de Segurança da ONU a adoptar um novo conjunto de sanções duras destinadas a cortar quase todas as fontes de moeda forte de Pyongyang. Entretanto, uma série de fugas de informação sugeriu que a administração estava a considerar lançar um ataque militar preventivo e “nariz sangrento” contra instalações nucleares norte-coreanas. Tudo isto foi acompanhado pelas ameaças de Trump de fazer chover “fogo e fúria” sobre o “Homem Foguete” – a sua alcunha depreciativa para o líder norte-coreano". Trump deleitou-se com as três reuniões que teve com Kim ao longo de 2018 e 2019. Mas os encontros não produziram quaisquer resultados tangíveis.
Ao lidar com Pyongyang, Biden é o mais recente líder americano a confrontar a Coreia do Norte. Ao contrário dos presidentes anteriores, Biden enfrenta agora um adversário determinado com uma dissuasão nuclear robusta que inclui a capacidade de atingir o território continental dos Estados Unidos com mísseis nucleares.
E agora acredita-se que muitas das ogivas nucleares e mísseis da Coreia do Norte estejam escondidos em instalações secretas e enterrados em bunkers impenetráveis; alguns podem ser movidos com facilidade. É pouco provável que os ataques aéreos eliminem estas capacidades de uma só vez, o que significa que Kim poderia retaliar com um ataque nuclear.
Em resumo, não agir com firmeza no momento certo, optando-se por "colocar panos quentes" não é recomendável em nenhum lugar do mundo.
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