Uma das notícias divulgadas pela Agência FAPESP, deste dia 07/08/2024, mostra comentários sobre o artigo publicado na PNAS, sob a liderança do pesquisador brasileiro Daniel Lahr. Segundo o artigo, diferentes linhagens de amebas e de ancestrais de plantas, algas e animais já estavam estabelecidas no período Neoproterozoico e resistiram aos dois eventos de glaciação que congelaram o planeta e, já em seu título, informa que há 800 milhões de anos, o planeta Terra era mais diverso do que se imaginava.
É um tempo muito distante? Não, se considerarmos que a Terra, segundo os cientistas, tem uma idade aproximada de 4,5 bilhões de anos. Tal idade, hoje sem dúvidas, está subsidiada pelo avanços da ciência. Até o século XIX, cientistas utilizavam os métodos relativos a fim de interpretar a história geológica do planeta. Entretanto, com os avanços científicos e a descoberta da radioatividade no final do século XIX, as técnicas puderam ser aprimoradas e aplicadas ao estudo de fósseis e da datação de eventos geológicos, entre elas a datação por radioisótopos.
Uma das formas que os geólogos desenvolveram para marcar diferentes períodos geológicos é chamada de "Datação relativa", baseada em três princípios: Princípio da superposição, Princípio da horizontalidade original e Princípio da sucessão dos fósseis (ou da fauna). Esse método parte do princípio de determinar se uma rocha ou um evento geológico é mais antigo ou mais recente, porém sem conhecer especificamente sua idade.
Uma outra forma para marcação da idade da Terra é a denominada "Datação absoluta". De forma distinta da datação relativa, em que os geólogos utilizam eventos que ocorreram antes ou após certo tempo, a datação absoluta possibilita fornecer estimativas em números, razoavelmente específicos. Essa técnica consiste na determinação da idade das rochas em anos com base em certos minerais presentes nas camadas. Por meio de aparelhos específicos, é possível determinar elementos químicos radioativos, como urânio ou potássio.
Para demarcar esses vastos períodos, os geólogos desenvolveram um tipo de calendário, conhecido como "Escala do tempo geológico", que corresponde ao período decorrido desde o final da formação da Terra até os dias atuais.
Essa escala indica que a história geológica da Terra é baseada em intervalos de tempo irregulares, com mudanças marcantes registradas, principalmente, nas rochas e nos fósseis contidos em cada camada. Cada segmento de tempo distingue-se, portanto, inicialmente, pela formação da crosta terrestre, seguida pelo aparecimento das primeiras formas de vida e, posteriormente, pela ocorrência de eventos geológicos, como aparecimento e desaparecimento de grandes quantidades de formas de vida. Essas etapas de transformação são classificadas em intervalos conhecidos como éons, eras e períodos, como mostrado de maneira simplificada no infográfico a seguir.
PS.: Pra nós humanos, um século parece ser um longo período, não é? Você sabe o motivo? A expectativa de vida média no Brasil é de 76,6 anos. Isso significa que nossa noção de tempo tem relação direta com nossa longevidade, então 100 anos parecem ser um tempo muito longo. Entretanto, essa quantidade de anos nem se compara à imensidão da história de vida do planeta, como comentado acima.
A seguir, o texto completo da notícia publicada pela Agência FAPESP.
Boa leitura.
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Há 800 milhões de anos, planeta Terra era mais diverso do que se imaginava, aponta estudo brasileiro
Por Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP
07 de agosto de 2024
Há 800 milhões de anos, muito antes da formação do supercontinente Pangeia, a Terra era mais diversa do que sugere a teoria clássica. Ao reconstituir a árvore da vida, a partir da história evolutiva de amebas e depois de ancestrais de algas, fungos, plantas e animais, pesquisadores brasileiros conseguiram criar um cenário com várias linhagens de diferentes espécies habitando o planeta naquele período.
As descobertas, publicadas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), indicam que diversas linhagens de eucariontes (seres vivos cujas células possuem núcleo delimitado) surgidas há 1,5 bilhão de anos se diversificaram e se estabeleceram durante o evento de oxigenação do Neoproterozoico – quando, há 800 milhões de anos, a geoquímica planetária permitiu a oxigenação profunda dos oceanos.
O estudo mostra também que a diversidade de amebas e ancestrais de plantas, algas, fungos e animais sobreviveram até mesmo ao período Criogeniano (entre 790 e 635 milhões de anos atrás), que contou com dois eventos de glaciação – quando o gelo dos polos cobriu todo o planeta por cerca de 100 milhões de anos (fenômeno conhecido como Terra Bola de Neve).
“O paradigma que tínhamos para o Neoproterozoico era de que não havia quase nada no planeta, apenas uma ou outra espécie de bactéria e protista. Porém, nos últimos 15 anos, foram sendo identificados fósseis de seres unicelulares, eucariontes e heterotróficos [que não produzem o próprio alimento] em diversos lugares diferentes do planeta. Esses fósseis datam de cerca de 800 milhões de anos [e são denominados fósseis tonianos]. Tudo isso se junta ao nosso estudo, que reconstituiu a árvore da vida e, por probabilística, identificou diversas linhagens bem estabelecidas de ancestrais de amebas, animais, fungos e plantas há 800 milhões de anos. Isso muda muito o nosso entendimento sobre como se deu a diversificação da vida na Terra”, conta Daniel Lahr, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e autor sênior do artigo.
Desse modo, o trabalho antecipa em cerca de 260 milhões de anos os eventos de diversificação em massa no planeta, ou seja, muito antes da chamada revolução do Cambriano, ocorrida há 540 milhões de anos, quando houve uma inexplicável explosão de novas espécies pluricelulares. Nesse período, a Terra – habitada por seres como os trilobitas, braquiópodes e graptólitos – já apresentava um clima moderado, úmido e nenhuma formação de gelo que pudesse ser caracterizada como geleira.
“Mesmo com todas as alterações climáticas sofridas no Neoproterozoico, a diversidade dos eucariontes persistiu, mostrando um poder de adaptação acima do esperado. Isso é importante, pois o nosso trabalho de reconstituição de árvore filogenética serve também de base para estudos de reconstrução paleoclimática”, conta.
“Algo inusitado é que todas as amebas Arcellinida desse período eram de água salgada e, atualmente, todas têm a água doce como hábitat. Trata-se de uma mudança comum de acontecer ao longo da história da Terra, mas, no caso dessas amebas, a mudança ocorreu com todas as linhagens. Isso mostra, mais uma vez, a capacidade de adaptação desses seres vivos”, afirma Lahr.
No trabalho, os pesquisadores usaram técnicas inovadoras para a reconstrução da árvore de relações de parentesco (filogenética) das tecamebas (Arcellinida) e, a partir disso, calibraram a árvore da vida, identificando ancestrais de plantas, fungos, algas e animais, por exemplo.
“A base para criar essa reconstituição foram as tecamebas e, a partir desse trabalho, fomos conseguindo visualizar outros seres vivos que antecederiam outros grupos e que também estariam presentes e diversificados naquele período da Terra, há 800 milhões de anos", explica Lahr à Agência FAPESP.
Vale destacar que as tecamebas representam o maior grupo do clado (conjunto de organismos originados de um ancestral comum) Amoebozoa, uma grande linhagem de seres que se locomovem por projeções celulares chamadas pseudópodes. Estudo anterior do grupo da USP permitiu estruturar a árvore molecular das tecamebas.
“Com auxílio de matemática probabilística conseguimos determinar a morfologia de tecamebas ancestrais [a partir de dados genéticos de espécies que vivem hoje na Terra] para depois comparar com a morfologia dos fósseis. Neste estudo, identificamos linhagens ancestrais das tecamebas e uma maior diversificação desses organismos no Neoproterozoico”, relata Lahr.
No estudo publicado em PNAS, os cientistas avançaram no entendimento de como era o planeta há 800 milhões de anos a partir do uso dessas linhagens de tecamebas como pontos de calibração para a árvore da vida com plantas, algas, fungos, animais e seus antepassados.
“A partir dessa ampliação da árvore da vida, foi possível obter descobertas interessantes sobre um período da história do planeta que ainda era muito obscuro. Com a calibração da árvore a partir do estudo filogenético das tecamebas, conseguimos duplicar a quantidade de informação sobre os eucariontes no Neoproterozoico. Nossos dados mostram que é nesse momento que começa a surgir uma diversidade grande de linhagens, uma delas é a dos animais, outra dos fungos e, possivelmente, as plantas”, diz o pesquisador.
Como explica Lahr, o trabalho se baseia em uma técnica inovadora denominada single-cell transcriptomics, que permite sequenciar todo o transcriptoma de uma única célula (ser unicelular). O transcriptoma é a parte do genoma que está sendo expressa e o seu sequenciamento permite que os cientistas retrocedam na linhagem evolutiva, identificando espécies que viveram no passado.
"Antes dessa técnica só era possível obter o transcriptoma de seres vivos unicelulares que vivem em cultura, ou seja, menos de 1% da diversidade dos microrganismos. Foi a partir dessa inovação que fomos conseguindo estruturar a filogenia do grupo das tecamebas como um todo. É um grupo bem diverso e se mostra interessante para iluminar esses períodos da história da Terra, por terem registros fósseis com os quais podemos fazer comparações. Fora isso, na árvore da vida, as amebas estão mais próximas dos animais do que eles estão das plantas, o que nos permitiu fazer calibrações importantes", diz.
O artigo Amoebozoan testate amoebae illuminate the diversity of heterotrophs and the complexity of ecosystems throughout geological time pode ser lido aqui.
Que aula!
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