Translate

03 agosto 2024

Cardeais Venezuelanos da Igreja Católica denunciam a intimidação dos Arcebispos e Bispos

Os cardeais venezuelanos Baltazar Porras e Diego Padrón afirmam, em nota, que em 28 de julho o povo votou esmagadoramente contra o governo de Maduro; acusa-o de recorrer à repressão e de não querer facilitar uma transição política democrática; de procurar forjar uma decisão judicial contrária à verdade, para ganhar tempo e convidar a diálogos inadmissíveis, pois no final ignorariam “a fraude evidente, a usurpação manifesta, ignorando a soberania popular inequivocamente expressa”. 

Os Cardeais também denunciam a intimidação dos Arcebispos e Bispos como na Nicarágua e, ao rejeitarem estes diálogos pretendidos, apelam ao confronto da ilegalidade “com a desobediência pacífica e a resistência” do povo venezuelano. 

A seguir a íntegra da nota divulgada pelos respectivos Cardeais.


Cardeal Baltazar Porras
Cardeal Diego Padrón

UMA REFLEXÃO FRATERNA E EM COMUNHÃO DIANTE DA REALIDADE NACIONAL

I - INTRODUÇÃO

Para refletir e posicionar-se de acordo com o desenrolar dos acontecimentos, procurando rumo ao futuro para melhor acompanharmos o nosso povo que se sente magoado e ridicularizado. Oferecemos a nossa reflexão já que tivemos que estar presentes no meio do furacão.

II - ELEMENTOS DE ANÁLISE

1. O processo eleitoral venezuelano de 28 de julho não se cristalizou a favor do líder do partido do Governo, o actual Presidente da República. De forma cívica e exemplar o povo manifestou-se, por esmagadora maioria, contra, e decidiu mudar a orientação geral do regime governamental. Este era o sentimento geral da população, antes da escrutínio eleitoral, reflectido em numerosos inquéritos.

2. A reação do governo venezuelano tem sido, até agora, negar categoricamente a vitória do adversário e, sem apresentar provas, de quais são os registros de votação, que devem ser um reflexo autêntico do expressão popular materializada na votação, proclamou oficialmente o atual presidente vencedor Nicolás Maduro Moros.

3. Consequentemente, uma imensa e heterogênea maioria da população surpreendida pela absurdo, saiu às ruas para protestar contra esse comportamento oficial e para exigir respeito sua vontade soberana. Mais uma vez o governo reagiu usando a força policial e grupos armados para reprimir os protestos legítimos e em grande parte pacíficos, até provocarem vinte mortes, numerosos feridos e prisão indiscriminada de mais de mil adversários políticos construindo uma história, uma narrativa adaptada às suas necessidades, responsabilizando a oposição por todos os excessos que têm origem na repressão por eles promovida.

4. No mesmo sentido, o governo, em vez de construir pontes com a coligação da oposição com pontos de vista, primeiro, facilitar o reconhecimento da verdade eleitoral, premissa para uma transição política democrática e pacífica, ampliou o abismo que tem pela frente, considerando todas as que não aprovam o seu comportamento e decidiu aniquilá-los com repressão, prisão, violência e morte.

5. A lógica de um “golpe de estado” construído ad hoc, no qual o governo está imerso, leva-o a não se importar em primeira instância com a opinião internacional que lhe pede, quase por unanimidade, mostrar todos os registros detalhados das estações de votação.

6. -Este pedido generalizado, em linha com o clamor interno, é que a verdade brilhe e, como sinal da realidade ocorrida e garantia de convivência pacífica e de legitimidade social e ética, para o governo entregar a ata e confirmar os resultados. Há, pelo contrário, indícios de que o regime está a “fabricar” outras atas adaptados ao seu interesse. É claro que ele intimidou os funcionários e testemunhas das mesas da oposição para assiná-los. Contudo, há uma convicção que aquilo que podem fazer ou oferecer não irá ofuscar a já difundida imagem de fraude em todo o mundo. Soma-se a isso a proclamação irregular de um suposto vencedor, fato que tecnicamente também constitui uma usurpação. Todas as barreiras que poderiam dar legitimidade foram ultrapassadas pelo regime.

7. Os métodos repressivos do governo conseguiram em grande parte “pacificar”, isto é, “controlar” e reduzir as manifestações populares. Contudo, sem abandonar completamente o palco descrito até agora, face às reacções internas e externas, o governo habilmente deu uma guinada e fez com que o processo pós-eleitoral entrasse em uma nova etapa de natureza diferente, a judicial.

O Presidente da República interpôs pessoalmente recurso perante a Câmara Eleitoral do Tribunal Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), sua instância máxima nacional, ignorando a autonomia do Poder Eleitoral, e solicitando que o Poder JUDICIAL seja o responsável pela resolução do conflito. Com esta ação, o governo que controla o árbitro supremo, utilizá-lo-á a seu favor, e com a discussão jurídica da matéria “vai distrair”, vai ganhar tempo e, entretanto, vai tentar criar uma nova opinião pública, uma história ou uma narrativa favorável à sua vitória eleitoral não comprovada. Esta nova fase está a todo vapor em desenvolvimento.

8. Aqui e agora, a harmonia com a base popular, a ciência jurídica e a habilidade entrarão em jogo político do setor da oposição. Mas o conflito pode prolongar-se, permanecer ativo e reacender protestos de rua, e outros, como o militar, com suas consequências mais que previsíveis e lamentáveis.

Será a luta de Davi contra Golias! A governabilidade será prejudicada pela falta de legitimidade dos origem e isso também terá consequências internas e externas.

9. No interior, vários bispos manifestaram preocupação com as reivindicações e ameaças de alguns governadores e prefeitos pró-governo sobre a conduta dos padres, chamando-os de políticos e vendidos ao imperialismo. Portanto, eles acham que estes são os primeiros passos do estilo de governo da Nicarágua que pode ser explicado mais claramente num futuro próximo.

III - PARA O DISCERNIMENTO

10. O nosso papel como pastores é, acima de tudo, defender a verdade, sentir-nos povo e acompanhá-lo. Devemos e procuramos ser imparciais, vivendo e agindo com a verdade. Não somos nem podemos ser neutros: é necessário verificar cuidadosamente os fatos, denunciar, mesmo em risco, injustiças, e proclamar nossos princípios e valores, acompanhando com solidariedade e pastoralmente ao povo, tarefa não fácil, mas necessária.

IV - COMO PROPOSTA

11. Os princípios não são negociados, mas devem ser comparados com a realidade para que tenham impacto nas necessidades reais e sentidas das pessoas. Enfrentando a força e a violência do grupo irregulares ou a ameaça de recurso às Forças Armadas Nacionais, distorcendo o seu papel de neutralidade constitucional e institucional em favor de uma parcialidade para a salvaguarda da convivência apenas com recursos espirituais e morais pode nos parecer insuficiente, mas é nossa identidade, convicção, vocação e missão de construtores de justiça, paz e esperança em cenários conflitantes. O acompanhamento espiritual, sinodal, em comunhão, é um desafio à nossa pastoral integral ad intra e ad extra. As pessoas vitimadas acumularam muita raiva e desamparo, o que carrega o perigo de responder com violência ou com desejos de justiça absoluta, até mesmo de vingança, que dificilmente superaria a intolerância e promoveria a harmonia, a amizade social e fraternidade.

12. O que não podemos é tornar-nos uma Igreja do silêncio, deixando o tempo passar em vão. Temos que discernir no Espírito o momento presente como um kairós e agir em conformidade com coragem, no estilo dos apóstolos (cf. Livro dos Atos).

13. As periferias – a Caritas e outras iniciativas são um testemunho – devem continuar a ser o centro da nossa preocupação e ocupação, tanto material, emocional e espiritualmente. Formar a Comissão de Justiça e Paz de forma orgânica e com autonomia prudente deve ser uma tarefa dos nossos objetivos prioritários, no interesse da salvaguarda dos direitos humanos, da dignidade do povo e o bem comum de todo o nosso povo. Que as pessoas não nos sintam distantes, ausentes ou indiferente às suas necessidades e exigências.

14. Curar as feridas, cultivar as melhores virtudes humanas e cristãs, com racionalidade e com sentido de reconciliação, perdão e espírito samaritano, sem vinganças e exclusões, é uma tarefa árdua, mas faz parte do nosso acompanhamento pastoral, afetuoso e paciente.

15. A sociedade venezuelana pede hoje à Igreja, em continuidade com o histórico, confiança e credibilidade que lhe são depositadas, ação que só pode ser assumida como subsidiária, de bons ofícios, não de mediação ou protagonismo.

V - A TÍTULO DE CONCLUSÃO

16. Escrevemos isto na noite de 31 de julho, depois de termos seguido parcialmente a Conferência de Imprensa do Presidente com jornalistas estrangeiros. O tom agressivo e desqualificação, apresentando-se como vítima que sofreu agressões, roubos e atentados de golpes de Estado supostamente perpetrados a sangue frio contra ele, são a melhor expressão de que a paz parece desconectada da realidade. É a narrativa oficial que procura legitimar-se à custa de impor à oposição todos os males do país.

17. É previsível que o governo, como sinal de alegada legitimidade e segurança, e procurando “avançar” exige “diálogos”, a começar pelas igrejas e confissões religiosas, sob a premissa de reconhecer a proclamação dos resultados pela CNE e sobretudo a decisão do TSJ. Para nós, isso é inaceitável porque seria ignorar a fraude óbvia, a usurpação manifesto, ignorar a soberania popular inequivocamente expressa e o consequente direito expressar de forma pacífica, mas decisiva e firme, protestos legítimos.

Consequentemente e nos termos clássicos da “não-violência ativa” surge no horizonte o dever moral de apoiar e sustentar iniciativas justas para enfrentar a arbitrariedade e violações com desobediência cívica e/ou resistência de raízes éticas e até religiosas, segundo o espírito das Bem-aventuranças: responder ao mal com o bem e ser arquitetos de paz na esperança de que “a verdade nos libertará” (Jo 8:32).

Fraternalmente, os Cardeais Baltazar Porras e Diego Padrón.

Caracas, 1º de agosto de 2024.

2 comentários:

  1. Cardeais?
    Igreja?

    Como assim?

    Sempre apoiaram e agora estão surpresos? Essa mesma classe que se diz "católica" sabe de tudo e comungam da mesma ideia.
    E que lembro, Papa João XXIII já disse que CATÓLICO não pode professar Comunismo.
    Essas duas substâncias não se misturam.

    ResponderExcluir
  2. Fragmento de um discurso de João Paulo II falando sobre as ditaduras nos anos 90. Muita diferença do Papa atual.

    "Una vez que se han intentado todas las posibilidades ofrecidas por las negociaciones diplomáticas y los procesos establecidos por las convenciones y las organizaciones internacionales y que, a pesar de ello, las poblaciones corren el riesgo de sucumbir a causa de los ataques de un agresor injusto, los Estados ya NO tienen el «DERECHO A LA INDIFERENCIA». Parece más bien que su deber es el de DESARMAR A ESE AGRESOR, si todos los otros medios se han mostrado ineficaces. Los principios de la soberanía de los Estados y de la no injerencia en sus asuntos internos —que conservan todo su valor— no pueden, sin embargo, constituir una pantalla detrás de la cual SE TORTURA Y SE ASESINA. Porque de eso se trata precisamente'

    Discurso del Santo Padre Juan Pablo II a los miembros del cuerpo diplomático acreditados ante la Santa Sede.

    Sábado 16 de enero de 1993.

    ResponderExcluir